Músico de cem anos que foi gravado por Caetano e Gil toca com sua bengala

Mestre da música regional e fundador da Banda de Pífanos de Caruaru, Sebastião Biano faz show em São Paulo

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 Retrato de mestre Sebastião Biano, um dos fundadores da Banda Pífanos de Caruaru, que vai se apresentar no Sesc Pompeia. Ele acabou de completar 100 anos em junho e segue em atividade com uma nova banda, o Terno Esquenta Muié

Retrato de mestre Sebastião Biano, um dos fundadores da Banda Pífanos de Caruaru, que vai se apresentar no Sesc Pompeia. Ele acabou de completar 100 anos em junho e segue em atividade com uma nova banda, o Terno Esquenta Muié Adriano Vizoni/Folhapress

São Paulo

Andar de bengala é uma coisa muito boa, conta o músico Sebastião Biano com um largo sorriso. 

Ela é amiga porque, com seu apoio, ele caminha sozinho sem o medo de tropeçar novamente no degrau da entrada de sua casa. E pode usá-la para fazer música e alegrar a todos.

Desde os cinco anos, Biano, nascido em Mata Grande (AL), toca pife, instrumento de sopro tradicional feito de bambus como taquara e taboca.

Estar sem instrumento à mão é motivo de frustração para ele. Ao se ver nessa situação em uma festa recente na cidade de Suzano, na Grande São Paulo, onde mora com uma de suas filhas, veio a ideia: bastava fazer sete furos na bengala de alumínio que apoiava seus passos para que ela servisse também para amplificar seu sopro.

Ele não se intimida quando a reportagem pede a ele que toque uma música no pife de bengala confeccionado com ajuda do genro, que manejou uma furadeira para abrir os orifícios seguindo a orientação de Biano.

Logo seus dedos corriam rapidamente o instrumento e, num só sopro, tocava as notas rápidas de “Isso Aqui Tá Bom Demais”, enquanto ele marcava o ritmo dançante da música com o pé.

Composta por Dominguinhos e Chico Buarque, a canção faz parte do repertório da Banda de Pífanos de Caruaru, da qual Biano é o único fundador ainda vivo, e que projetou o nome da cidade pernambucana para o restante do Brasil.

Grande parte da fama da banda se deve aos baianos Gilberto Gil e Caetano Veloso. O primeiro incluiu a música mais famosa de Biano, "Pipoca Moderna", em seu álbum "Expresso 2222", de 1972, que mescla influências nordestinas e do rock inglês que Gil conheceu nos anos de exílio.

Caetano o seguiu e, para o disco "Joia", de 1975, fez uma letra para a mesma música, repleta de aliterações que ressaltam sua variedade rítmica, e a cantou em arranjo camerístico.

Biano conta que toca seu instrumento todos os dias. Ele, que não conhece teoria musical nem nome de notas, diz que sua inspiração vem da natureza.

”Sabe como faço para deixar minha música prontinha? Ouço o canto de um pássaro. Tem passarinho que canta bonito no cantinho dele. Dali, a pessoa tendo ideia, o dom, faz a música, está metade dela quase feita.”

Também não falta a Biano energia para, risonho, contar histórias. Compreende as perguntas que são feitas a ele. Começa a resposta com objetividade e, pouco a pouco, foge dela e vai se embrenhando em histórias de um agreste remoto, povoado por onças, cobras, plantas e parentes.

Também se lembra do trabalho em oficinas de tecelagem, na fabricação de couro e na roça, das muitas festas e novenas para as quais tocou, além do medo que sentiu quando, ainda criança, viu Lampião e recebeu o pedido para que tocasse uma música. Garante que o rei do cangaço gostou do que ouviu.

Mais de três horas de conversa não foram suficientes para esgotar a disposição de dividir as histórias que brotavam de sua memória.

Não é que Biano viva no passado. O mestre segue ativo e, sem deixar a Banda de Pífanos, começou um novo projeto nesta década, o trabalho solo Sebastião Biano e Seu Terno Esquenta Muié (em referência a apelido das bandas do gênero).

O pifeiro Júnior Kaboclo, 45, que há cerca de dez anos se tornou discípulo e parceiro de Biano, conta que o projeto surgiu pela vontade que seu mestre tinha de tocar um repertório que nem sempre combinava com o estilo dançante da banda de Caruaru, em especial valsas e músicas ligadas a rituais religiosos que conheceu na juventude.

Também há espaço para que Biano conte suas histórias enquanto os instrumentistas fazem um acompanhamento musical. A banda conta com dois pifes, uma zabumbatera (mistura de zabumba e bateria), rabeca e contrabaixo.

Com ela, foram lançados dois CDs, um pelo Sesc e outro independente. Kaboclo conta que há planos para um terceiro trabalho, a ser lançado em 2020.

No último mês, Biano comemorou seu centenário na Festa de São João de Caruaru. “Fazia tempo que eu não ia lá. Me abraçavam que parecia que não iam me soltar. Parecia uma procissão de santo”, diz alegre o músico, que não visitava a cidade desde 1979.

Kaboclo diz que, apesar da honraria, considera que o reconhecimento obtido pelo mestre ainda é pouco frente à influência que teve em músicos de diferentes correntes. Além dos tropicalistas, foi gravado por Arrigo Barnabé, compositor mais experimental da vanguarda paulistana dos anos 1980, e admirado pelos expoentes do mangue beat.

O mestre vive hoje com uma aposentadoria que não chega aos R$ 1.000. Para completar sua renda, vende pifes e realiza oficinas para ensinar sua confecção.

Biano fará show em São Paulo neste final de semana. Será a estreia de seu novo instrumento de alumínio. Haverá a participação do ator Gero Camilo interpretando suas histórias nos dois dias e, no sábado, do cantor e compositor Zeca Baleiro.

Cem Anos Do Seu Biano

  • Quando 27/7 e 28/7
  • Onde Sesc Pompeia - r. Cléia, 93 (tel. 3871-7700)
  • Preço De R$ 9 até R$ 30
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