Novo disco do Hot Chip oscila entre escapismo pop e descrença quanto ao futuro

Com 'A Bath Full of Ecstasy', banda volta às origens e colhe elogios na imprensa britânica

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Rodrigo Pinto
Londres

Pouco mais de uma década após ganhar o mundo com uma mistura de pop eletrônico, dance music e melodias atraentes, a banda Hot Chip volta à mística original com “A Bath Full of Ecstasy” —na tradução, uma banheira cheia de êxtase ou cheia da droga de mesmo nome. 

Sétimo disco do grupo londrino, o novo trabalho colheu elogios na imprensa britânica e foi comparado aos anteriores “The Warning” (2006) e “Made in The Dark” (2008).

Na essência, porém, o novo disco mostra uma banda se equilibrando entre o escapismo do pop e o ceticismo diante de um mundo abalado por crises incessantes.

A carreira discográfica do Hot Chip começou no ano 2000. Parte de uma geração que transformou o vigor cheio de testosterona do techno em música pop hipnotizante, o grupo adoçou a batida das raves para o gosto de uma geração que crescia sob o otimismo dos anos Tony Blair, que coincidiu com a efervescência cultural conhecida como Cool Britannia. Quase 20 anos depois, a Inglaterra é outra.

“Eu me sinto mal por fazer um produto que, de certa forma, é escapista. Mas acredito que há um valor em compor música que reúna as pessoas”, diz o tecladista Joe Goddard, compositor principal da banda ao lado do vocalista, Alexis Taylor. O paradoxo vivido pelo Hot Chip é bem evidente no Twitter, em que Goddard, mais do que música, faz comentários sobre política e meio ambiente.

“O lance é que é fácil as pessoas se perderem, terem momentos legais na pista de dança, postarem no Instagram e esquecerem de focar as questões que claramente temos que estar envolvidos. Então me sinto dividido. É difícil estar numa banda pop num momento como este. Tentamos contribuir de nossa forma. Eu faço isso no Twitter”, argumenta.

No álbum, a insatisfação com o planeta está nos detalhes. De fato, o colorido pop da banda não serve de distração para os tempos modernos. O “Ecstasy” do título não é só a droga, mas também a rebordosa. Paranoia, frustração e descrença na humanidade bateram forte nos Hot Chips quarentões.

“Tenho duas crianças pequenas e estou preocupado com o futuro do planeta”, diz Goddard.

"A Bath Full of Ecstasy" vai além do erodido terreno do pop eletrônico. A faixa de abertura do disco, Melody of Love, é emblemática. Revela uma arqueologia particular, que vai de soul a reggae, passando pela cultura hip-hop e pelo rhythm and blues. A voz de Alexis Taylor abre a canção, emulando a delicadeza melódica de "Boy From School", do celebrado "The Warning" (2006), e de "We’re Looking for a Lot of Love", do disco "Made in The Dark" (2008). E o sample do grupo gospel The Mighty Clouds of Joy, ativo desde os anos 1960, amplia a pesquisa sonora.

"A Bath Full of Ecstasy" foi o primeiro disco do Hot Chip no qual trabalhou um produtor de fora do grupo. Aparentemente, para uma missão comum a produtores, algo como garantir que a banda mude para continuar a mesma.

“Sim, é isso”, brinca Goddard. “Eles nos deram confiança para nos reinventarmos fora do óbvio”. Foram recrutados Rodaidh McDonald, um dos principais colaboradores do aclamado trio The XX, e Philippe Zdar, do duo francês Cassius.

Zdar, que foi produtor de nomes de peso como Franz Ferdinand, Erol Alkan e Cat Power, morreu ao cair da janela de seu apartamento em Paris dois dias antes do lançamento de "A Bath Full of Ecstasy".

“Crescemos muito a partir da colaboração dos produtores. Não sei mais o quão relevante somos, nem sequer se somos relevantes. Mas este é um de nosso melhores álbuns. Acho que isso teve muito a ver com os produtores.”

Em termos comerciais, "A Bath Full of Ecstasy" triunfa por levar o Hot Chip ao lugar onde tem sua melhor performance, o palco. A banda vai fazer uma longa turnê, que, no fim do ano, chega à América Latina, com paradas em México, Chile, Peru e Brasil, em novembro. Goddard se diz entusiasmado com a visita ao país.

“Honestamente, a musicalidade brasileira é a melhor do mundo”, elogia. Alguma chance de ouvirmos o Hot Chip incorporar os ritmos brasileiros em seu trabalho? “O jeito em que os brasileiros fazem o suingue, a profundidade do entendimento de ritmo, é realmente difícil de atingir.”

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