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Amazônia moderna foi vencida por sul atrasado, afirma autor de 'Mad Maria'

Márcio Souza, que lança ensaio na Bienal do Rio, vê com desconfiança ajuda internacional à floresta

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Rio de Janeiro

Ao longo de sua carreira de escritor —cujo tema principal é a Amazônia, objeto de interesse não apenas como ficcionista, mas também quando se dedica ao ensaio—, Márcio Souza perdeu a contas das vezes em que ouviu uma mesma pergunta: “É possível um equilíbrio entre preservação da floresta e exploração econômica?”.

“Quando ouço esse tipo de pergunta, penso logo em mandar perguntar ao pássaro dodô [espécie da Ilha Maurício extinta depois da chegada dos colonizadores]”, diz o autor de “Galvez, Imperador do Acre” (1976) e “Mad Maria” (1980).

“Especialmente porque não há exploração econômica da floresta. Aqui chegam sulistas com vocação de jagunços, com motosserra na mão e vão desmatando. Não sabem nem querem saber o que tem de riqueza ali. Tudo o que desejam é ampliar a fronteira da soja.”

Uma das atrações da Bienal do Livro do Rio, que tem início nesta sexta (30), Márcio Souza está lançando o ensaio “História da Amazônia”, síntese que vai da chegada do homem à região, há 40 mil anos, aos tempos atuais.

“Escrevi o livro para os leitores que gostaram dos meus romances. Trabalhei para evitar a linguagem de tese. É uma grande saga”, explica o escritor, que no dia 5 de setembro participa de uma mesa no evento com o jornalista Larry Rohter, autor da biografia “Rondon”.

É assunto inflamável, mas praticamente desconhecido, segundo o autor. “Desde antes dos europeus e até 1823, com a adesão do Pará à Independência, a região viveu um processo histórico e social sem paralelo. Outra singularidade é a biota amazônica, com uma bacia de rios e floresta tropical chuvosa.”

Segundo ele, esses dois fatores são os principais responsáveis pelo trágico desencontro entre a região e o Brasil. “Para os sulistas, a Amazônia é a quintessência do exótico, do atraso, da área tribal com surtos de prosperidade e extravagância.”

Para Márcio Souza, sucessivos governos centrais nunca entenderam e nunca souberam como lidar com a Amazônia:

“Não vejo muita diferença entre o governo Bolsonaro e os outros. O curioso, diante do desastre atual, é que entre os auxiliares do presidente contam-se dois conhecedores profundos da região, tanto no plano teórico quanto no prático. O general Villas Bôas e o vice-presidente Hamilton Mourão tiveram atuação destacada quando passaram pelo Comando Militar da Amazônia.”

Na visão do escritor, o período da ditadura militar, até agora, foi o mais nocivo no tratamento aos índios.

“Ainda hoje eles estão se recuperando dos horrores pelos quais passaram. Etnias foram completamente extintas.”

“Mas há alguns sinais de que os índios não serão varridos da face da terra. No norte amazônico, dezenas de etnias se organizaram associadas ao FOIRN [Federação das Nações Indígenas do Alto Rio Negro]. Eles têm educação na língua nativa até os oito anos de idade e depois recebem o currículo brasileiro. O índice de analfabetismo é um dos mais baixos do Brasil”, diz.

Com subtítulo “Do Período Pré-Colombiano aos Desafios do Século 21”, o livro aponta um pacote de problemas: queimadas criminosas, conflitos de terra, garimpo, tráfico de drogas, favelização, superlotação dos presídios, atuação de igrejas fundamentalistas.

“Há outra questão nem sempre mencionada: o conceito de sustentabilidade, que foi desenvolvido por economistas. Ele é usado como se fosse uma panaceia para as áreas do Terceiro Mundo. Só que sustentabilidade virou slogan publicitário, e muitas vezes não passa disso. Até indústrias predadoras e empresas do mercado financeiro usam a palavra.”

O escritor vê com desconfiança tanto a pressão internacional como o oferecimento de ajuda à região.

“Aqui os escândalos parecem seguir o regime das águas, e eles atraem a solidariedade. Contra as barbaridades, nós sabemos nos defender. Mas contra a solidariedade não se pode fazer nada. Não era Brecht que dizia ai do povo que necessita de heróis?”.

Para ele, já existem instrumentos federais e locais que atuam no campo da ciência, no manuseio econômico, no conhecimento dos inúmeros biomas —caso da Universidade Estadual do Amazonas, fundada em 1918, por exemplo. “O que se espera é que Bolsonaro não corte ainda mais as já exíguas verbas”, completa.

Márcio Souza trabalha agora no último volume da tetralogia “Crônicas do Grão-Pará e Rio Negro”, painel histórico-ficcional do qual foram publicados os romances “Lealdade”, “Desordem” e “Revolta”. “Derrota” está previsto para o ano que vem.

“É uma homenagem ao escritor Erico Verissimo, que contou a construção do Sul do Brasil. Na minha tetralogia, narro a desconstrução do Norte.”

“O conflito que mostro no livro é a resposta brasileira à Guerra de Secessão nos Estados Unidos. Com a diferença de que aqui o Sul atrasado, escravagista, de economia agrícola exportadora, venceu o Norte industrializado, de agricultura moderna. O Brasil, para tomar o Grão-Pará, teve de matar 40% da sua população.”

O romancista já tem novo projeto engatilhado: a história de cinco amazonenses da FEB no front italiano durante a Segunda Guerra Mundial.

Bienal do Livro

  • Quando De 30/8 a 8/9. Seg. a qui., das 9h às 21h; sex., das 9h às 22h; sáb. e dom., das 10h às 22h
  • Onde Rio Centro - av. Salvador Allende, 6.555, Rio de Janeiro.
  • Preço R$ 30
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