A intervenção no logotipo institucional que o público do cinema brasileiro sempre vê antes da abertura dos filmes chama a atenção, como um ruído, para a proposta política de “Foro Íntimo”.
O primeiro longa de Ricardo Mehedff apaga o verde e amarelo do símbolo para adaptá-lo à fotografia em preto e branco que o diretor escolheu para sua claustrofóbica ficção.
O Brasil aparece aqui descolorido, apagado, sem vida mesmo. Não há natureza e toda espacialidade é substituída pela limitação de uma sala onde um juiz dorme, trabalha, come e toma banho sob a vigília ininterrupta de seguranças.
O personagem exemplifica a luta contra a corrupção ao investigar um senador suspeito de envolvimento com o tráfico de drogas. As ameaças que recebe o obrigam a viver isolado dentro do fórum, afastado da família e do mundo. Ou seja, um ponto de partida que interpela o Brasil em que vivemos.
A arquitetura e a geometria definem os limites dos movimentos do personagem, assim como a burocracia fecha todas as saídas para Joseph K. em “O Processo”, de Kafka e da versão cinematográfica de Orson Welles.
Arquivos, estantes, mesas, biombos, persianas e janelas bloqueiam a circulação e também o campo de visão do personagem.
Mehedff ressalta esta situação opressiva por meio de uma estética expressionista. Angústia e opressão não são sentidas apenas na interpretação introspectiva de Gustavo Werneck, elas se refletem também nas linhas retas da arquitetura, na rigidez do concreto e no contraste secos da fotografia em preto e branco.
A elaborada concepção formal de “Foro Íntimo” não encontra, porém, um desdobramento na dramaturgia do filme. A paralisia que afeta o personagem acomete também o roteiro, que avança indeciso entre o drama psicológico e a alegoria política, entre seguir a linha da suspeita ou a da paranoia.
Ao apostar a maioria de suas fichas no abstracionismo, “Foro Íntimo” ficou parecido com um esboço, algo como um competente projeto arquitetônico que ainda não foi habitado.
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