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Poeta do zap e da Fátima, Bráulio Bessa questiona rótulo de autoajuda

Cearense que faz sucesso com pílulas nas redes sociais e na TV lança nova obra na Bienal do Livro

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Rio de Janeiro

O que que este cearense da pequenina Alto Santo, 16 mil habitantes, tem em comum com Clarice Lispector e Arnaldo Jabor?

Grupos de família no WhatsApp. Mensagens motivacionais apócrifas associadas a Bráulio Bessa, 34, também bombam neste reduto de tiazinhas e tiozinhos.

O poeta lembra de uma que leu num muro: "Quando o amor pedir um pingo de sua atenção, por favor, chova". "Nunca escrevi isso. Vou dar mais dois anos e, se ninguém clamar pra si, vou dizer que é meu mesmo", brinca. 

Bráulio conversou com a Folha no sábado (31), antes de lançar, na Bienal do Livro, "Um Carinho na Alma", seu quarto livro de poesia. Mas sua popularidade, tão avantajada quanto seu sotaque nordestino, não vem do papel, mas das redes sociais —e não vamos esquecer da "Fatinha".

O bardo com pegada cordelista é uma espécie de influenciador literário no Instagram, com 2,8 milhões de seguidores (o escritor mais famoso do Brasil hoje, Paulo Coelho, tem 800 mil a menos). É por lá que posta pílulas de seus escritos, como esta sobre a recente estratégia da rede social em acabar com a visualização das curtidas: "Relaxe, não enlouqueça/ Talvez assim apareça/ Alguém que lhe curta de verdade". 

Fatinha é Fátima Bernardes, com quem postou foto dançando quadrilha de São João. Desde 2015, ele é convidado fixo no programa matinal dela na Globo, agora em participações quinzenais. Chegou ali convidado a falar sobre xenofobia e acabou ficando.

As estrelas da casa correram para dar cinco estrelinhas para seu lançamento. Na orelha do livro, elogios de Juliana Paes ("sabe o atalho mais simples para bater fundo no peito da gente!") e Paolla Oliveira ("um ativista da cultura nordestina").

Outro medidor de seu alcance nas massas: Bráulio está em 34 dos 50 vídeos mais assistidos na página do Gshow, o portal de entretenimento da Globo, em 2018.

Onde uns veem literatura positiva, outros rotulam, com certa má vontade, como autoajuda. O poeta, afinal, é daqueles que até compilado próprio têm em sites como "O Pensador". Sua chamada: "22 frases de Bráulio Bessa que vão inspirar o seu dia".

Isso sem contar as palestras motivacionais que dá. Ele estima que são 25 por mês, muitas para a clientela corporativa. Uma empresa especializada em vendê-las as anuncia assim: com seu orador, que "tem incentivado a vida de milhares de pessoas do Brasil a serem realizadoras de sonhos", "a cabeça é chata, mas a palestra, não!".

Sempre que "essa história de 'ah, é autoajuda'" dá as caras, num tom "meio pejorativo", o cearense diz que lembra da vez em que uma mulher pediu a palavra durante uma canja sua em Quixadá (CE). 

Contou que tinha depressão há seis anos. Todo dia buscava coragem para se suicidar.

O dia chegou. Sentiu que estava em paz para morrer e escreveu cartas de despedida para a mãe e o filho de oito anos. Aumentou o volume da TV no quarto para se matar e ouviu uma voz. Bráulio declamava um poema sobre a vida.

"Quando terminou, minha vontade de morrer virou vontade de viver", ele reproduz o que escutou dela. Os pensamentos suicidas se foram, entraram um novo namoro e o hábito de ir ao forró às sextas. 

Por isso, sobre epítetos como "coach da alma", Bráulio chegou à conclusão: "Tô cagando pra quem tá pensando nisso [de autoajuda]. Vou lembrar do depoimento dessa mulher". 

"Existe preconceito principalmente por eu estar na TV, famoso, milhões de seguidores. Mas minha mãe não me pariu no sofá de Fátima", afirma. "Escrevo desde os 14 anos, existe uma trajetória até eu sentar minha bunda naquele sofá", diz o apreciador do cordelista conterrâneo Patativa do Assaré (1909-2002).

O poeta faz sucesso sobretudo na terceira idade, o que explica suas sessões de autógrafo chegarem a ter fila de prioridade para idosos. E o fato de versar sobre temas universais o ajuda a driblar a polarização que tem pairado sobre a cena cultural —o tal do "ame ou odeie" um artista, a depender da inclinação ideológica dele.

Bráulio não costuma cutucar esse vespeiro político, preferindo falar sobre sentimentos com os quais aqueles à direita e à esquerda podem se familiarizar, como ao postar no Instagram (e replicar em sua nova obra) sobre solidão: "Vez por outra o mundo chama/ E a nossa resposta é não/ Por ter marcado um encontro/ Com o próprio coração". 

"Escrevo sobre assuntos que tem papel social", diz, lembrando que já abordou, inclusive no programa de Fátima, tópicos caros à agenda progressista. "Tô falando de machismo, de homofobia dizendo que todo amor é normal. Agora, não vou pegar minha poesia pra fazer discurso político."

Nesta entrevista, ele veste uma camisa com estrofes de Lulu Santos queridas pela comunidade LGBTI: "Consideramos justas toda forma de amor". 

Uma rara piscadela política que se permitiu dar veio no dia da eleição: o retrato no Instagram da mãe com livros seus a tiracolo. Estava "armada para votar". A referência: uma campanha entre eleitores de Fernando Haddad (PT), que pedia para todos se munirem de literatura. 

Foi justamente na temporada eleitoral que Bráulio virou alvo de fake news: uma montagem dele, "uma dublagem muito tosca, com sotaque mega estereotipado, eu metendo o pau no PT". Quem acreditou, diz, "é mais tosco do que quem fez".

Não que a internet seja só fonte de sofrência. Ela foi fundamental para catapultar a fama deste poeta que já ouviu muito o papo de que "poesia não vende", ou que o que "escreve é bonitinho, mas muito regional".  
"Beleza, surge internet. De repente, o povo recebia o que o cabra recebia no Rio. Antes a notícia só se fazia chegar, aí o cabra do interior começou a poder mandar de volta."

Foi o que ele fez, em versos que até à "A Casa de Papel" remetem. Bráulio graceja: a série da Netflix, que traz assaltantes-heróis com alcunhas de cidade, de Tóquio a Helsinki, podia até ter um personagem batizado Alto Santo. Do Ceará para o mundo, afinal, sempre foi um plano em seu mapa.

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