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Cinema

'A Vida Invisível' é a escolha certa para Brasil tentar uma vaga no Oscar

Com violência gráfica e crítica à dominação americana, chances de 'Bacurau' eram mais remotas

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Pedro Butcher

E cá estamos nós de novo, discutindo o Oscar como se fosse uma coisa séria. Mas o pior é que é —especialmente nas circunstâncias atuais. 

Em artigo publicado na Ilustrada na útlima quarta (6), Inácio Araújo questionou a escolha de “A Vida Invisível”, de Karim Aïnouz, para representar o Brasil no Oscar de melhor filme internacional, em detrimento de “Bacurau”, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. A análise de Inácio acerta na mosca em diversos pontos —a começar pela recusa em discutir qualidade ou arte quando o assunto é Oscar. Por mais que a história prove o contrário, há os que ainda insistem em acreditar no poder de legitimação “artística” do prêmio. 

O Oscar é um golpe de gênio de Louis B. Mayer, chefão dos estúdios MGM. Ao bolar o prêmio, Mayer criou uma marca para legitimar filmes considerados arriscados (para padrões acadêmicos). Ao circunscrever a escolha dos premiados aos profissionais da própria indústria, organizados em uma Academia, garantiu controle sobre o tipo de filme que receberia essa validação. 

Cena do filme "A Vida Invisível" (2019), de Karim Aïnouz
Cena do filme "A Vida Invisível" (2019), de Karim Aïnouz - Divulgação

O Oscar, portanto, precisa ser visto de um ponto de vista estritamente institucional e pragmático. É um elemento que pode dar impulso à circulação de uma obra e fortalecer institucionalmente a cinematografia que representa, em um cenário marcado por uma profunda assimetria.  

Mas permita-me discordar da parte que especificamente questiona a escolha de “A Vida Invisível”. Inácio argumenta, não sem alguma razão, que “Bacurau” talvez tivesse mais chance de chegar à lista final. Por ser um filme urgente e abertamente antibolsonarista, poderia “cair muito bem numa Hollywood tradicionalmente liberal”. 

Pois sejamos realistas. Pelas próprias idiossincrasias da categoria, tanto “Bacurau” quanto “A Vida Invisível” têm poucas chances de chegar aos cinco finalistas. 

Esse ano são 93 filmes para cinco vagas, que passarão por um processo um tanto bizarro, que envolve o visionamento por um comitê responsável pela seleção de sete títulos e a escolha de um segundo comitê, com a missão de selecionar três obras “ousadas” ou “de escolha pouco provável”. Esses dez filmes são anunciados em uma “shortlist” e poderão ser votados por todos os integrantes da Academia, para a escolha do vencedor.

Dois elementos, a meu ver, tornavam as chances de “Bacurau” mais remotas: a violência gráfica (basta checar a lista dos indicados para ver a ausência de filmes violentos na categoria) e, sobretudo, a crítica aberta aos modos de dominação americanos. O liberalismo de Hollywood tem limites muito claros, e o mais gritante deles é o olho torto em relação a posicionamentos críticos explícitos às políticas do país. 

“A Vida Invisível”, formalmente, também não se encaixa no rol dos títulos que costumam chegar aos finalistas: é um filme episódico, com fotografia e direção de arte longe de padrões acadêmicos. No entanto, o fato de ser um filme de época que discute a invisibilidade feminina e o machismo estrutural, pode, aí sim, calar fundo na Hollywood liberal, sobretudo entre profissionais que passaram pelo MeToo e lutam pela igualdade de gênero. 

Tudo agora depende de uma boa campanha e de sorte. Desde que foi anunciada a escolha brasileira, “A Vida Invisível” tem aparecido em várias listas como um dos possíveis favoritos. Sabendo que o Oscar de melhor filme internacional é quase uma loteria, estar nessa briga continua sendo importante. “Bacurau” e “A Vida Invisível” vão bem, obrigado. Quem mais precisa do Oscar, agora, não são os filmes, mas o cinema brasileiro como instituição.

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