'Não tem olhar técnico para nenhum setor', diz produtor teatral sobre nomes na cultura

Pessoas ligadas à cultura comentam os novos ocupantes de seis cargos na secretaria, sob comando de Roberto Alvim

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São Paulo

Após o anúncio das mudanças nos quadros ligados à cultura no governo Bolsonaro —com a nomeação de novos membros para seis cargos na última quarta (27)—, personalidades ligadas à cultura se manifestaram sobre os nomes escolhidos. As trocas acontecem depois que Roberto Alvim assumiu a Secretaria de Cultura, hoje subordinada ao Ministério do Turismo.

“Um horror”, disse Juca Ferreira, ex-ministro da cultura no governo Dilma Rousseff (PT), sobre Camilo Calandreli, que assume a Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura, responsável por gerir a Lei Rouanet.

“Não o conheço, nem sei onde foram buscar esses personagens. A música popular brasileira é reconhecida no mundo inteiro como uma música de alta qualidade. É parte da nossa identidade cultural, sem discriminação.”

Calandreli já disse que as medidas de incentivo à cultura foram utilizadas como “mecanismo de ideologização política” nos governos do PT. Solista de ópera e professor, ele também criticou o tropicalismo, o hip-hop e o samba, entre outros movimentos musicais, em detrimento da música erudita.

Para Ferreira, a priorização da música erudita é resultado de uma “mentalidade colonizada”. “A música sinfônica é parte dessa riqueza cultural brasileira, e querer criar uma hierarquia é século passado”, diz. “É uma questão que já foi bastante discutida na metade do século passado. Não vejo nenhuma novidade, é parte de um retrocesso político e cultural.”

Além de Calandreli, chegam ao governo secretários responsáveis pela promoção da diversidade, pela economia criativa e pela Fundação Palmares, além de um secretário adjunto especial. Alguns desses novos integrantes já deram declarações controversas sobre cultura, como criticar a tropicália ou defender o fim do movimento negro.

Mariza Leão, produtora de cinema, também disse que não conhece Katiane de Fátima Gouvêa, a nova secretária do Audiovisual. Membro da Cúpula Conservadora das Américas, ela é especialista em comércio exterior, mas não tem experiência prévia no cinema ou na TV.

“Estou há mais de 40 anos no cinema e não a conheço”, diz Leão. “Sua nomeação é absolutamente coerente com o que o governo Bolsonaro expressa. Então, antes de discutir a Katiane, temos que pensar que são nomeações coerentes tanto com o presidente Bolsonaro quanto com o [Roberto] Alvim.”

Para Leão, é necessário aguardar o trabalho dos novos nomes da cultura para “ver se ele é constitucional ou não”. “Com certeza, restrições à liberdade de expressão não são constitucionais”, afirma.

Eduardo Barata, presidente da APTR (Associação dos Produtores de Teatro), diz que “há a continuação de um projeto desse governo”, em que as escolhas, assim como em meio ambiente, ciência e educação, são feitas com base em “questões ideológicas, partidárias e religiosas”.

“Não tem nenhum olhar técnico para nenhum setor”, diz. “O que parece é que eles pensam ideologicamente, e esses cargos são cargos que demandam técnicos e não políticos.”

Um dos nomes que mais gerou polêmica foi o de Sérgio Nascimento de Camargo, escolhido para presidir a Fundação Palmares, órgão responsável por promover a cultura de matriz africana.

Nas redes sociais, o jornalista se define como “negro de direita, contrário ao vitimismo e ao politicamente correto”, além de ter classificado o racismo no Brasil como “nutella” e dizer que a escravidão foi terrível, “mas benéfica para os descendentes”.

Djamila Ribeiro, colunista da Folha e autora do livro "Pequeno Manual Antirracista", considera a escolha um "absurdo". "A Fundação Palmares é fruto da luta do movimento negro. Vejo isso como mais uma artimanha dos 'senhores de engenho' para manutenção das desigualdades e esvaziamento de políticas públicas tão importantes realizadas nos governos anteriores."

"O nomeado é um desastre, sem dúvidas, contudo, acima dele está um governo autoritário cujo projeto visa o retrocesso e a legitimação do extermínio da população negra", ela diz.

No Twitter, a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) publicou um vídeo em que critica Sérgio. “Ele chega a dizer que a escravidão foi benéfica para nós, negros. Imagina se uma pessoa dessa natureza pode estar dirigindo a Fundação Cultural Palmares. E ele diz praticamente que Palmares não existiu e que Zumbi é um falso herói. Ele não conhece a história do Brasil.”

A sambista e deputada estadual Leci Brandão (PCdoB-SP) publicou uma nota em defesa da Fundação Palmaras, classificando a escolha do novo presidente como “um ataque de morte”. Ela o chamou de “uma pessoa totalmente desqualificada, que desconhece a história e está a serviço de um projeto genocida que tem como alvo principal a população negra”.

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