Paço das Artes ganha sede própria em garagem depois de 50 anos nômades

Instituição despejada da Cidade Universitária passa a ocupar casarão de shopping em Higienópolis

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Obra 'Cascata', da artista Regina Silveira, que inaugura o novo museu Paço das Artes, em Higienópolis Eduardo Knapp/Folhapress

São Paulo

Um celeiro de jovens artistas ao longo das últimas décadas, o Paço das Artes finalmente ganhou uma sede própria. A inauguração do espaço, que passa a ocupar a garagem do antigo casarão de Nhonhô Magalhães, no bairro paulistano de Higienópolis, acontece neste fim de semana, com uma mostra da veterana Regina Silveira.

A mudança ocorre depois de um período de incertezas da instituição, despejada do prédio que ocupou por 22 anos na Cidade Universitária, em 2016.

Desde então, a instituição ocupava uma pequena sala no Museu da Imagem e do Som, o MIS —ambos são administrados pela mesma organização social. A área disponível ali equivalia a menos de um décimo do que o Paço tinha no campus da USP, de cerca de mil metros quadrados.

A entrega das chaves do novo lar aconteceu em dezembro de 2018. O prédio, construído na década de 1930 pelo barão do café Carlos Leôncio Magalhães, foi comprado do estado paulista pelo shopping Pátio Higienópolis em 2005.

Uma cláusula do contrato previa, porém, que parte do imóvel deveria ser cedida ao estado, para uso cultural, por 20 anos, renováveis por mais 20.

A diretora artística do Paço, Priscila Arantes, diz que as obras de renovação —ainda em curso quando a repórter visitou o endereço— tiveram como objetivo adequar o local às normas museológicas, tornando os banheiros acessíveis e implementando rampas, por exemplo.

Ela estima que a reforma, assinada pelo arquiteto Álvaro Razuk, tenha custado R$ 1 milhão.

A saída da Cidade Universitária ocorreu após pedido do Instituto Butantan, dono do edifício. Na época, circularam abaixo-assinados contra o despejamento. Hoje, um centro administrativo com cerca de 400 funcionários do instituto funciona ali.

Questionada sobre o período no MIS, Arantes o descreve como “traumático”. “Ficamos no limbo. Não só pela confusão de uma instituição dentro de outra, mas caímos um degrau na invisibilidade.”

Ainda assim, o Paço conseguiu manter seu calendário artístico, estabelecendo parcerias com espaços como o Museu de Arte Contemporânea da USP, o festival Videobrasil e o centro cultural Oswald de Andrade, onde apresentou três exposições nesse período.

Outro ponto importante foi o museu não ter interrompido a "Temporada de Projetos", programa de exposições famoso por revelar nomes promissores ao circuito. Já passaram por lá, por exemplo, Marcius Galan, Sara Ramo e André Komatsu, hoje nomes valorizados no mercado e escalados para bienais mundo afora.

Arantes comemora a mudança para o casarão. Mas um período de adaptação é certo.

Primeiro, porque apesar da ampliação do espaço em relação ao MIS, a antiga garagem que corresponde ao espaço expositivo deste novo Paço mede cerca de 300 metros quadrados, ou menos de um terço da área que o centro cultural tinha na Cidade Universitária. Também tem um pé-direito baixo, em geral considerado problemático para a montagem de exposições de arte contemporânea.

Segundo, porque a convivência com o campus da USP era estreita. Agora, além da mudança no perfil do bairro onde funciona, ele terá uma entrada pelo shopping ao lado e deve dividir o restante do espaço do casarão, que tem área total é de 800 metros quadrados, com eventos.

A diretora artística diz não temer essas transformações. “Fizemos um levantamento junto ao setor educativo e estamos estudando a possibilidade de parcerias. O Paço é historicamente nômade”, afirma, lembrando que o espaço passou por cinco endereços desde a sua fundação, há 50 anos.

O orçamento não foi constante ao longo dessa trajetória, porém. Arantes diz que ele vinha minguando mesmo antes da ida para o MIS —passou de R$ 4 milhões para R$ 3,5 milhões de 2014 para 2015.

Ela diz ter enviado um orçamento de R$ 4 milhões para aprovação da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, referente ao funcionamento da casa neste ano. O governo não confirmou o valor e explicou que faz os repasses a cada cinco anos diretamente para as organizações sociais que gerem os espaços —cabe às organizações então distribuir os fundos entre as instituições que administra.

A secretaria ainda acrescenta que pretende elevar o valores repassados ao Paço e às demais instituições culturais do governo do estado nesta gestão.

Enquanto isso, o MIS, com suas exposições de apelo popular, ganhou inclusive uma nova sede no ano passado, o enorme MIS Experience, na Água Branca, com 2.000 metros quadrados.

Uma mostra da artista Regina Silveira inaugura a nova casa do Paço, apresentando duas obras inéditas feitas especialmente para o local.

Na primeira, “Cascata”, as janelas de inspiração francesa do espaço se multiplicam e se alastram pelas paredes e pelo chão, o que a artista descreve como uma “operação catastrófica”.

A segunda remete à sua série “Anamorfas”, em que distorcia objetos domésticos como tesouras e um abridor de garrafa. A vítima da vez é um banco de madeira que, com cerca de três metros de comprimento, ocupará o jardim do casarão.

“Para mim, era importante ter um artista que entendesse a casa, e ela trabalha com obras site-specific. Queria trazer uma memória da instituição. Ela é uma artista de 81 anos, mas muito jovem, que navega por várias linguagens”, diz Arantes sobre a escolha de Silveira para abrir a programação.

A artista também diz se identificar com a proposta do Paço. “Tem uma coisa da sua postura institucional, de abrigar jovens artistas e não se assustar com a arte experimental.”

Questionada sobre o espírito jovial, Silveira diz ter horror ao passado. Mas logo se corrige —sem ele, não teria chegado aqui.

O restante dos trabalhos da mostra fazem parte dessa história. São duas videoinstalações recentes, que ocupam salas anexas, e três vídeos dos anos 1970 e 1980, exibidos em televisores na sala principal.

Todos serão incorporados a um novo projeto do Paço, o Acervo MaPa, uma coleção de arte contemporânea exclusivamente digital —é a primeira do tipo de um equipamento estadual. Com isso, aos 50 anos, a instituição se transforma em museu de fato.

Silveira se diz animada com a perspectiva. “Assim eles podem executar obras minhas no espaço público, como já fizeram na Alemanha, por exemplo”, diz. “Tem que pensar no futuro.”

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