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Coronavírus chega ao cinema e contamina estreias, bilheterias e até Tom Hanks

Indústria cultural tem sofrido com a pandemia e arrecadação no setor de filmes aponta para grandes perdas

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São Paulo

O terror, acompanhado de um misto de medo e agonia, está se espalhando pelos cinemas ao redor do globo. Mas a ameaça aqui é real —não são filmes de horror que estão rompendo a tranquilidade das salas, e sim os efeitos colaterais que o novo coronavírus está causando no mundo cinematográfico.

E não é só nele. Toda a indústria cultural terminará 2020 com rombos inimagináveis. Shows foram adiados, como os de Madonna em Paris; museus passaram vários dias fechados ou com acesso limitado, como o Louvre; feiras de literatura e de arte foram canceladas, como a Art Basel Hong Kong; teatros fecharam as portas, como aconteceu com toda a Broadway.

O cenário de calamidade lembra a trama de “Contágio”, longa de Steven Soderbergh lançado em 2011 sobre uma gripe letal que se alastra pela Terra e que voltou a figurar nas listas de mais vistos de plataformas de streaming e de aluguel desde que a China anunciou a nova doença.

Daniel Craig como o agente secreto James Bond; planejado para abril, o novo filme da franquia "007", "Sem Tempo para Morrer", entrará em cartaz apenas em novembro
Intervenção gráfica com Daniel Craig como James Bond usando máscara; planejado para abril, o novo filme da franquia entrará em cartaz em novembro - Divulgação

Epicentro da pandemia, o país asiático ocupa hoje o segundo lugar na lista dos maiores mercados cinematográficos do mundo, atrás só dos Estados Unidos. Sozinhas, suas bilheterias foram responsáveis por cerca de US$ 8 bilhões, ou R$ 37 bilhões, no ano passado.

Muitas projeções estimavam que 2020 seria finalmente o ano em que o mercado chinês superaria o americano, ascendendo ao posto de rei de arrecadação do cinema mundial. Mas a China perdeu a coroa assim que o corona chegou.

Com o surto do vírus no país, salas de cinema foram fechadas, produções interrompidas e lançamentos adiados. A consequência disso foi um colapso nas vendas de ingressos.

Nos dois primeiros meses deste ano, as bilheterias chinesas arrecadaram só US$ 238 milhões, ou R$ 1,1 bilhão, muito abaixo dos US$ 2,1 bilhões, ou R$ 10 bilhões, acumulados no mesmo período do ano passado. Os dados são da Comscore, empresa de análise de dados americana.

Essa janela é considerada crucial para as bilheterias chinesas, porque é nela que ocorrem as celebrações de Ano-Novo do país. Dessa vez, o feriado foi em parte suspenso pelo governo devido à crise sanitária.

Mas assim como o vírus rapidamente se espalhou para o resto do mundo, as perdas da indústria cinematográfica logo começaram a infectar outras nações. Na Itália, que vem passando por um boom cinematográfico, a situação também é alarmante. Nas últimas semanas de fevereiro, cerca de metade dos cinemas no país permaneceram fechados.

Há uma semana, o governo italiano passou a considerar todo o país zona vermelha da doença e, três dias mais tarde, proibiu as operações de qualquer serviço não essencial —restaurantes, bares, lojas, teatros, shoppings, boates, cassinos e, é claro, cinemas.

“É uma pena, porque nosso país estava passando por um boom real e positivo no começo do ano, interrompido repentinamente por essa situação horrível”, diz Roberto Stabile, diretor do departamento internacional da Anica, associação da indústria do audiovisual italiana. “Realmente acho que o medo do vírus é mais prejudicial do que o próprio vírus. Tenho certeza que, no final, nós veremos que o vírus afetou muito mais a economia do que a saúde”, completa.

Ele se refere ao atual colapso das Bolsas ao redor do mundo, frente à relativamente baixa taxa de mortalidade deste coronavírus. Mas, embora a Organização Mundial da Saúde tenha afirmado, no começo do mês, que ela é de 3,4%, na Itália ela alcançou quase o dobro disso, 6,7%.

“Tão importante quanto combater o vírus —se não for mais importante— é vacinar nossas economias contra a pandemia de pânico. O sofrimento humano pode vir na forma de doenças e da morte. Mas também ao não conseguir pagar as contas ou perder sua casa”, escreveu o especialista em desenvolvimento econômico Omar Hassan, no portal britânico Independent. Ele ressaltou que os maiores afetados serão os pequenos negócios.

Mas gigantes do mundo corporativo não estão imunes. Na indústria de entretenimento, grandes estúdios relutaram em admitir a gravidade do cenário, mesmo com o segundo (China), o terceiro (Japão) e o quinto (Coreia do Sul) maiores mercados cinematográficos do globo entre os países há mais tempo e mais fortemente afetados pela pandemia.

Atrasos em estreias começaram a ocorrer na China, como é o caso de “Mulan”, agora sem data de lançamento também no Brasil. Releitura da animação da Disney, o filme foi até pensado para o mercado chinês, a ponto de eliminar o carismático dragão Mushu da nova trama por sua representação ter sido considerada ofensiva nos anos 1990.

Mas o primeiro alarme mundial de Hollywood soou no dia 4 de março, com o adiamento de “Sem Tempo para Morrer”. A estreia do novo “007” ficou para o longínquo mês de novembro, bem distante dos blockbusters que povoam o verão americano.

Agora que boa parte do Ocidente passou a ser bem mais atingido pela pandemia, com números alarmantes surgindo nos Estados Unidos, na França e, pelas projeções, em breve no Brasil, outros vários importantes lançamentos tiveram o mesmo destino.

“Pedro Coelho 2: O Fugitivo”, “Um Lugar Silencioso: Parte 2” e “Velozes e Furiosos 9” foram os últimos longas que tiveram a estreia adiada. E o novo “Missão Impossível” interrompeu as gravações já em andamento em Veneza. Nem mesmo Tom Hanks escapou —ele anunciou, nesta semana, que ele e a mulher pegaram a doença durante as filmagens de uma cinebiografia de Elvis Presley na Austrália.

Mesmo diante da atual conjuntura, os organizadores do Festival de Cannes seguem firmes em sua crença de que o cenário estará melhor até 12 de maio, quando começa o evento na Riviera Francesa. Em Nova York, no entanto, onde até a Broadway parou, o Festival de Tribeca, marcado para abril, foi adiado.

Procurada, a Motion Picture Association, representante dos cinco maiores estúdios de Hollywood —Universal, Disney, Paramount, Warner Bros. e Sony— mais a Netflix, não quis dar entrevista. Mas divulgou um comunicado.

“A Motion Picture Association e suas parceiras estão monitorando com atenção os relatórios emitidos por órgãos públicos de saúde sobre o coronavírus e as medidas protetivas para limitar seu impacto. O bem-estar de nossos consumidores e funcionários mundiais é nossa prioridade e nós continuaremos tomando as precauções necessárias para garantir sua saúde e segurança.”

No Brasil, o par de longas “A Menina que Matou os Pais” e “O Menino que Matou Meus Pais”, sobre o caso Richthofen, com sessões marcadas para 19 de março, não tem mais data certa para entrar em cartaz.

Redes de cinema, por aqui, já se preparam para o impacto. O Espaço Itaú de Cinema informou que continua seguindo procedimentos de praxe —higienização das salas após as sessões e disponibilização de álcool em gel para clientes e funcionários.

Mas, na bilheteria, as coisas mudaram. As unidades da rede estão vendendo só 60% de seus assentos e sugerindo que os clientes escolham lugares distantes dos já ocupados.

A Cinemark também reitera que mantém suas salas higienizadas e anunciou, por meio de sua assessoria, que “acompanha atentamente o desenvolvimento do covid-19 ao redor do mundo, bem como as ações e recomendações do Ministério da Saúde e das secretarias de Saúde dos estados em que atua”.

“A Cinemark lembra que, no momento, não há orientação do Ministério da Saúde para alterações e restrições no funcionamento das salas.”

Com o cenário da pandemia mudando drasticamente de um dia para o outro, é difícil prever até quando o meio cultural ficará debilitado. Mas, diante das perdas deste ano, uma coisa é certa —2021 será de terapia intensiva para o setor.

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