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Livros

Livro costura com sutileza racismo e abismo entre ricos e pobres no Brasil

Em 'Apátridas', o dinheiro é motivo de vergonha e de orgulho para o narrador

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Apátridas

  • Preço R$ 49,90 (192 págs)
  • Autor Alejandro Chacoff
  • Editora Companhia das Letras

Já adulto, o narrador de “Apátridas” relembra os primeiros anos transcorridos após o retorno a Mato Grosso, tentando reconstruir o olhar do garoto que foi —que, enquanto procurava se adaptar àquele mundo, buscava uma espécie de consistência que parecia indisponível.

O que se revela no livro é então um processo de reconhecimento, de mapeamento de relações de poder, de sondagem de nuances e flutuações.

O escritor e crítico alejandro chacoff
O escritor e crítico Alejandro Chacoff - Divulgação

Em Mato Grosso, de acordo com o narrador, o “vazio imenso da paisagem se refletia num outro vazio, uma espécie de vazio narrativo”.

Era, ao menos em parte, um vazio familiar —na infância estéril na Filadélfia se destacavam “apenas os apelos urgentes e efêmeros do consumo”. O que se via em Mato Grosso era o apelo constante do dinheiro. “O dinheiro exercia alguma função narrativa que eu não entendia bem; era como a memória, ou a história.”

O dinheiro é motivo de vergonha e de orgulho para o narrador. A razão da ambivalência é a riqueza do avô, dono de um cartório.

Naquele mundo dos adultos, para usar as palavras do escritor Daniel Galera num comentário sobre o livro, “dinheiro e a burocracia [eram] a matéria-prima das relações afetivas e sociais”. No das crianças, a burocracia era substituída pelo talento no futebol. Já o dinheiro era calculado pelos meninos a partir do modelo do carro de seus pais.

Ainda que o narrador aprenda com um tio-avô a escrever para escrutinar o próprio lugar no mundo, o que se tem em “Apátridas” não é um romance de formação. O que se delineia é menos o lugar que o narrador ocupa do que alguns meandros ocultos de certo cenário, sobretudo o brasileiro.

Há, assim, menos um processo interno de amadurecimento do que um processo que escancara e costura a narrativa rejeitada de um país —sobretudo porque no olhar do narrador se misturam o pertencimento e o estranhamento. Do racismo estrutural ao enorme abismo entre ricos e pobres, está tudo ali.

É enorme a sutileza com que a narrativa de “Apátridas” capta a existência de ambiguidades, inconsistências, pontos cegos, zonas cinzentas. Uma estreia irretocável e espantosa de Alejandro Chacoff e um dos livros imperdíveis de um ano tão brutal.

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