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Xuxa fala sobre Senna e Pelé, mas pouco de Marlene Mattos em autobiografia

Apresentadora volta a tocar no assunto dos abusos e traz um material rico para os seus fãs com fotos inéditas

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São Paulo

Convém não esperar da autobiografia “Memórias”, de Xuxa Meneghel, revelações inéditas ou uma celebridade disposta a acertar as contas com quem se aproveitou de sua ingenuidade e do potencial para faturar dinheiro.

Não há nada nessas 272 páginas que a gente já não tenha ouvido ela contar antes nem nomes aos bois quando relata episódios sobre pessoas que a magoaram. “Por que deveria? Já não basta o caráter delas?”, questiona a autobiografada, em respostas sucintas enviadas por email, via assessoria de imprensa da editora.

No livro, Xuxa fala muito sobre bichos, Sasha, abusos na infância, o namoro com Ayrton Senna e antes, com Pelé, no início da carreira, relação que acabou, após seis anos. “Eu era traída loucamente.” O relato de sua trajetória se ocupa bastante da mãe, Alda, do período em que Xuxa esteve rompida com o pai, Luís Floriano.

Conta ainda que mesmo já namorando Luciano Szafir, pai de Sasha, chegou a pensar em fazer uma fertilização in vitro de esperma doado, o que não foi necessário. Szafir, segundo ela, resistia à ideia da paternidade sem casamento no papel, o que nunca foi seu objetivo, mas mudou de ideia e a surpreendeu.

Sobre a ex-fiel escudeira, a empresária Marlene Mattos, que a acompanhou desde a TV Manchete, quando surgiu, no Clube da Criança, até a ascensão ao posto de Rainha dos Baixinhos, na Globo, quase não há menções. Xuxa atribui o fim das relações entre ambas a um “desgaste”, insinuando que Marlene insistia na tese de que ela deveria deixar de fazer programas para crianças, enquanto ela queria manter esse público junto dela.
Mulher com blusa colorida acaricia barriga e sorri
Xuxa conta que mesmo já namorando Luciano Szafir, pai de Sasha, chegou a pensar em fazer uma fertilização in vitro de esperma doado, o que não foi necessário. Szafir, segundo ela, resistia à ideia da paternidade sem casamento no papel, o que nunca foi seu objetivo, mas mudou de ideia e a surpreendeu. - Arquivo pessoal/Globo Livros

Questionada por que um relato tão superficial sobre alguém com quem tanto conviveu, a apresentadora foi sucinta. “Falei no livro o que quis falar.”

O que ela faria diferente? “Não falaria tanto e, principalmente, não acreditaria tanto nas pessoas. Se tivesse que voltar atrás, eu diria para mim, naquela época ‘acredite menos, se doe menos, viva mais as oportunidades de beijar e de ser beijada, não deixe ninguém gritar com você e não deixe nenhuma pessoa dizer que você não é ninguém se ela não estiver por perto’.”

Assim como no livro, nada de nomes. Para os fãs, o material é precioso, não só pelo fato de trazer seu ídolo relatando em detalhes episódios emblemáticos de sua vida, mas especialmente por um material inédito de imagens do acervo pessoal da apresentadora, com mais de cem fotos.

O prefácio é de Rita Lee, para quem Xuxa “escreve com coragem e honestidade” e o livro a fez entender “melhor essa mulher estonteantemente bela e os momentos nem sempre fáceis pelos quais passou”.

Entre as respostas para as perguntas enviadas pela reportagem, Xuxa respondeu que já foi bem mais ingênua, mas ainda se considera como tal e seguiu uma trajetória pouco racional na carreira.

“Não tive estratégia porque minha ambição, em termos financeiros, era apenas a de ganhar dinheiro para comprar presentes para minha mãe. Mas a ambição de quem estava perto de mim era muito maior e a estratégia foi feita por essas pessoas com quem trabalhei.”

“Hoje posso dizer que não sou tão mole como era, mas estou longe de ser casca grossa.” Como alguém que foi tão idolatrada por mais de uma geração, figura sem paralelos para a geração infantil atual, disse que não se sente refém de uma imagem ao relatar suas histórias e se mostrar como é. “Estou velha para me prender a uma imagem e madura o suficiente para saber que isso é tóxico.”

Se hoje se dá ao luxo de aparecer no Instagram de cara lavada, sem maquiagem, de raspar a cabeça e admitir que nunca teve voz para cantar, mesmo vendendo milhões de discos nos idos em que baixava na tela da TV descendo de uma nave, avisa que nunca foi diferente. “Sempre fui assim, mas nunca tive espaço para mostrar isso. Hoje, com as novas mídias, ficou mais fácil.”

“Medo de decepcionar quem me ama eu sempre terei, mas é medo de decepcionar como pessoa (ser humano). Quero ser eu mesma e quem me ama de verdade me aceita do jeito que eu sou.”

No livro, Xuxa conta mais uma vez sobre os abusos sexuais sofridos na infância, de amigos que frequentavam a casa dos pais e de um namorado de sua avó. Narra também o efeito benéfico das denúncias, quando trouxe isso à tona pela primeira vez, no Fantástico, em 2012, provocando uma onda de denúncias de abuso.

"Dos quatro até os meus 13 anos, eu passei por várias situações de abuso —algumas eu pulei, já não tenho mais estômago para relatar tudo aqui— que me fizeram ter mania de limpeza. Tomo de três a quatro banhos por dia", diz Xuxa.

“Falei para tentar contribuir por um mundo melhor para minha filha, para meus netos. Louco isso, mas foi só o que eu pensei naquele momento.”

Xuxa também conta no livro que foi convidada a ser mãe dos filhos de Michael Jackson. "Nos despedimos e, na hora de sair de lá, o empresário dele veio atrás de mim. 'Quero fazer uma proposta. A gente está procurando uma mãe para os filhos do Michael. Posso mandar o contrato para você estudar?' Só lembro de ter dito não, chocada com a situação, e de ter saído de lá sem entender muita coisa."

A repórter questiona se faltou contar muita coisa no livro ou que tipo de assunto ela sentiu necessidade de filtrar. “Tem coisas que eu não falei porque acho que não é o tempo certo, só isso. E nem cabe tudo o que aconteceu em uma vida em um livro.”

A apresentadora revela então a ideia de registrar sua trajetória em outros meios. “Muitas partes da minha vida ainda podem ser exploradas no meu filme, no meu 'doc', mas tenha certeza que nem tudo estará lá. Por quê? Porque tem coisas que eu acho que não devo, como qualquer pessoa.”

Mulher segura placa escrito "xou da xuxa"
A apresentadora e modelo Xuxa durante gravação do seu programa 'Xou da Xuxa', da Globo, em 26 de março de 1987 - J. A. Fonseca/Folhapress

Trechos do livro

“Minha experiência com os seres humanos me fez uma pessoa mais direta e menos tolerante com o que acho errado ou me desrespeita. Ao contrário dos bichos —que nunca me decepcionaram—, levei muitos tombos da vida por causa de pessoas nas quais confiei.”

“Se eu fosse dar um conselho, hoje, madura, seria esse: quer ser feliz? Vamos apertar o botãozinho do foda-se e vamos viver.”

“Eu chegava aos eventos, desfiles e sessão de fotos e, como sempre fui muito expansiva, falava com todo mundo, meio molecona mesmo. Um dia, numa dessas ocasiões, veio até mim um xeique árabe e apertou minha mão com um punhado de dinheiro. Joguei a grana no chão na hora, e ele falou:
'Isso é pouco? Qual o seu preço? Toda mulher tem um preço.' Nunca aceitei aquelas propostas. Cada um faz o que quer do corpo, mas o 'toda mulher tem um preço' me deixou 'p' da vida. E fui 'colecionando' desrespeitos, com o passar do tempo, que só aconteceram por eu ser mulher. De cobranças para estar sempre jovem a linchamentos virtuais que não aconteceriam com um apresentador homem.”

Mulher dança
A apresentadora Xuxa durante gravação de seu programa infantil "Xou da Xuxa", da Rede Globo - Reprodução

“Sempre disse que poderia ser legal ter mais cabelo. Mas, hoje, estou aprendendo que me aceitar como sou deixa tudo mais leve.”

“Na vida, confiei em pessoas que mentiram para mim, me usaram… Não entendia por que fizeram comigo coisas que eu nunca faria a ninguém. Me sentia burra por acreditar nelas, ingênua por deixar chegarem perto e inocente por não perceber o que queriam. Considerava-as como pessoas da família. Sobre algumas, pensava: ‘Essa gosta muito de mim e faria qualquer coisa para me proteger…’. Já por outras, punha a mão no fogo de que não enganariam. Enfim, as coloquei na minha vida, na minha casa, nos meus planos…”

“Já tive 54 cachorros de uma vez só, além de macacos, micos, aves variadas, lhamas, jacaré, porquinho-da-índia, coelhos, chinchilas. Por ter sido mantenedora do Ibama, os animais dessas espécies apreendidos do horror do tráfico, alguns até machucados, como preguiças, papagaios e macacos, iam para minha casa. Havia um espaço enorme para eles, eu tinha biólogos e veterinários disponíveis para cuidar deles.”

“A tristeza de chegar perto dos 60 [anos] não são as rugas ou a falta de colágeno, e sim de enterrar pai, mãe, irmão, filho de pelo… Ver pessoas importantes irem embora: artistas que fizeram parte da sua infância morrendo, amigos, parentes. Isso te faz se sentir impotente. Vemos que nós, seres humanos, também somos um bicho estranho…”

“Vou ficar muito ‘p’ da vida se, de onde eu estiver, vir alguém escrevendo, postando, chorando minha morte sem nunca ter demonstrado amor por mim em vida. Falem agora que sou ou que fui importante, falem agora que aprenderam algo comigo. Não adianta coroa de flores se você não disse que amava, que se importava. Não chegará aos ouvidos de quem já se foi (a não ser que você queira aparecer ou tentar limpar a sua barra daquilo que você não fez em vida)."

"E você, que tem carinho por mim, que acompanha minha trajetória, que esteve ligada ou ligado na frente da TV para ver meus programas… se quiser cantar ‘Ilariê’ bem alto no velório, eu, com certeza, vou gostar.”

Memórias

  • Preço R$ 44,90 (272 págs.) ou R$ 29,90 (e-book)
  • Autor Xuxa Meneghel
  • Editora Globo Livros
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