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Novo Vargas Llosa volta ao melhor dos romances históricos do Nobel 2010

'Tempos Ásperos' resgata mecânica de período histórico crucial para compreender mundo contemporâneo

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Tempos Ásperos

  • Preço R$ 59,90 (280 págs.) R$ 34,90 (ebook)
  • Autor Mario Vargas Llosa
  • Editora Alfaguara
  • Tradução Paulina Wacht e Ari Roitman

Uma fake news que mudou o rumo da história da América Latina nos anos 1950. De tão bem armada e divulgada, acabou culminando na queda de um presidente eleito de modo democrático, Jacobo Árbenz, da Guatemala, por meio de um golpe militar promovido pela CIA junto a oficiais guatemaltecos e apoiado por um cruel ditador latino-americano.

Se Árbenz não tivesse caído, argumenta Mario Vargas Llosa, vencedor do Nobel e autor de "Tempos Ásperos", o destino da região seria diferente, pois se poderia evitar a radicalização tanto da esquerda como da direita, e fazer com que a Revolução Cubana, de 1959, não tivesse causado tanta cisão durante a Guerra Fria.

Em seu mais novo romance, que sai agora no Brasil, o peruano Vargas Llosa volta ao que sabe fazer melhor, um consistente romance histórico, com boa investigação factual e uso da imaginação nas partes do livro sobre as quais faltam dados, permanecendo coerente com a realidade.

Para quem pensava que o autor havia perdido a vitalidade, reduzindo sua atuação a escrever colunas de jornal rancorosas ou a lançar coletâneas de seus melhores textos antigos, "Tempos Ásperos" se mostra um romance de fôlego, assim como "A Guerra do Fim do Mundo" ou "A Festa do Bode".

Este último, aliás, guarda uma conexão profunda com "Tempos Ásperos", pois há um personagem que está em ambos os livros. É o ditador dominicano Rafael Leónidas Trujillo, que manteve um regime sangrento em seu próprio país, de 1930 a 1961, e acabou ajudando os americanos a tirar Árbenz do poder.

A história da América Central pode ser pouco conhecida no Brasil, mas os efeitos de seus conflitos e guerras civis se fazem sentir em toda a América Latina. Com essa convicção por trás, Vargas Llosa conta essa história que considera ter aberto precedente para outros golpes e ditaduras da América Latina.

Árbenz, um militar progressista, assumiu o poder em 1951. Tinha o objetivo de tirar a Guatemala do estado semifeudal em que se mantinha, e isso incluía uma reforma agrária. Porém, essa ideia batia de frente com os interesses da empresa americana United Fruit Company, uma velha conhecida de quem é leitor do colombiano Gabriel García Márquez, outro Nobel que apontou para a responsabilidade da empresa em abusos contra direitos humanos na região.

A United Fruit Company pediu ajuda ao governo dos Estados Unidos, e ambos confiaram a uma figura que hoje poderia ser chamada de marqueteiro, Edward Bernays, a tarefa de construir uma imagem negativa de Árbenz e que o relacionasse com o regime soviético. Tudo era uma grande mentira.

O então presidente guatemalteco não era comunista, inclusive admirava os Estados Unidos. Porém, a campanha de Bernays foi bem feita e deu resultado naqueles tempos em que os americanos temiam muito uma possível presença da União Soviética nas Américas.

Em paralelo a isso, Trujillo, em nome de interesses pessoais, como o de resgatar ex-militares considerados traidores que estavam refugiados na Guatemala, começou a ajudar a CIA. Enviou armas, informação e logística que facilitaram a invasão, que culminou na derrocada de Árbenz.

Muita coisa ocorria na Guatemala naqueles tempos. O próprio Che Guevara estava ali na época e tentou armar uma guerrilha para defender o governo de Árbenz. Vargas Llosa considera que vivenciar esse episódio teria tido influência sobre Che e sua atuação em Cuba, fazendo com que suas convicções antiamericanas fossem ainda mais radicais.

A trama depois envereda para o pós-golpe e o destino trágico do militar que comandou a traição a Árbenz, Castillo Armas, morto de forma até hoje misteriosa.

Além de resgatar um período histórico crucial, que vale iluminar para esclarecer os rumos da América Latina a partir daí, o romance também lança questões ao mundo atual.

Em tempos de aceleração do uso das fake news nas campanhas eleitorais, é esclarecedor ver como a desinformação mal-intencionada operava em tempos pré-internet e como também era eficiente, principalmente em países em que faltavam educação popular e transparência política.

A fórmula então produziu tragédias políticas comparáveis às que vivemos.

Erramos: o texto foi alterado

Uma versão anterior deste texto afirmava que Mario Vargas Llosa ganhou o Nobel de literatura em 1982. A data correta é 2010. O texto foi corrigido. 

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