AC/DC volta com novo disco após vocalista quase ficar surdo e recuperar audição

'PWR/UP' traz 12 faixas do tradicional hard rock da banda australiana

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São Paulo

Para que Brian Johnson pudesse cantar no novo disco do AC/DC, foram necessários quase três anos de visitas de um cientista à sua casa.

Uma vez a cada três ou quatro meses, Stephen Ambrose levaria suas engenhocas auditivas até o lar do vocalista, que havia perdido a audição a ponto de mal ouvir as guitarras no palco e ter de cancelar sua participação nos shows finais da turnê do último disco do grupo, sendo substituído por Axl Rose, do Guns N’ Roses.

“Eu achei que era o meu fim, obviamente”, diz Johnson, em entrevista por Zoom desde Sarasota, na Flórida. Ambrose, especialista em audição —ele inventou os monitores intra-auriculares usados por músicos para ouvirem a si mesmos no palco—, desenvolveu para o vocalista de 73 anos um tímpano prostético que lhe devolveu a capacidade de ouvir.

Com a audição renovada após quase ficar surdo, Johnson pôde soltar a voz em “PWR/UP”, o 17º disco da banda australiana de hard rock, que chega às plataformas de streaming em 13 de novembro, seis anos após o lançamento de “Rock or Burst”, o trabalho anterior.

O guitarrista Angus Young e o vocalista Brian Johnson, da banda de hard rock AC/DC - Divulgação AC/DC

O novo disco conta com os integrantes ainda vivos do álbum “Back in Black”, de 1980, trabalho que escreveu o nome da banda no cânone da música e o segundo disco mais vendido da história, com mais de 50 milhões de cópias comercializadas —o primeiro é “Thriller”, de Michael Jackson. Acompanham Johnson o baixista Cliff Williams, o baterista Phil Rudd e o guitarrista Angus Young, da formação clássica, além de Stevie Young, guitarrista incorporado de vez ao grupo em 2014

As 12 faixas de “PWR/UP” trazem os últimos riffs de guitarra compostos por Malcolm Young, irmão de Angus e com quem este fundou a banda nos anos 1970, em um momento próspero para o rock pesado, que à época vivia uma ascensão de nomes britânicos, como Black Sabbath, Judas Priest e Iron Maiden. Malcolm morreu de demência em novembro de 2017, depois de três anos vivendo com a doença.

“Nós não somos pessoas espiritualizadas, mas ele [Malcolm] estava lá [no estúdio], para todos nós. E foi uma experiência maravilhosa. Acho que ele estaria muito orgulhoso [do novo disco], eu sei que a família dele está”, afirma Johnson, acrescentando que, desde o início, a ideia era que o álbum fosse um tributo a Malcolm, um dos guitarristas mais celebrados do rock.

Das músicas novas, o vocalista destaca “Mist of Time” como a faixa que mais o lembra da época em que passou a integrar a banda, no início da década de 1980, depois da morte do cantor anterior, Bon Scott, e a se divertir muito com Malcolm. “Quando eu a ouço eu tenho arrepios, mas eu não deveria, porque eu mesmo a cantei, por Deus. Mas quando eu estava fazendo [a música] eu pensava nele.”

Curiosamente, “Mist of Time” é a faixa mais melódica e que lembra menos o AC/DC tradicional no novo disco —com refrão pegajoso e ritmo menos acelerado, poderia passar por um hit radiofônico dos anos 1990.

Talvez seja mesmo este espírito retrô o grande atrativo de “PWR/UP”, gravado em fita e com equipamentos analógicos sob a batuta do produtor Brendan O’ Brien, responsável pela cara do som das bandas de grunge no passado e cooptado pelo AC/DC no século 21.

Mas não faz tanta diferença que o disco saia agora. Ele poderia ter sido feito em 1978 ou em alguma das décadas seguintes sem perda de sentido, pois capta a banda de hard rock fazendo, claro, seu tradicional hard rock alto astral, que lota estádios por onde passa.

Guitarras em volume máximo, coros com “aaahhh” e “uuuhhhh” e letras versando sobre tipos marginais, como “Wild Reputation”, ou reputação selvagem, preenchem um álbum sem baladas —é rockão do início ao fim, a exemplo do primeiro single, "Shot In the Dark".

De todo modo, os pouco mais de 40 minutos do disco trazem uma audição prazerosa, passando a impressão de que a banda —cujo integrante mais jovem tem 63 anos— se divertiu enquanto o gravava.

Johnson conta que não conseguia ficar parado no estúdio de Vancouver enquanto gravava os vocais, sozinho em uma sala, acompanhado apenas de um grande microfone. O produtor teve de mudar os móveis de lugar em determinado momento, ele diz. “Eu preciso me mexer e tenho que ser parte da música e eu quebro coisas. Isso é a paixão surgindo, e você quer que ela apareça no disco.”

Ao ser questionado se os problemas com a audição fizeram com que alterasse seu jeito de cantar, Johnson responde negativamente. O que mudou, segundo ele, é que, ao ficar mais velho, ele começou a tentar descobrir novos jeitos de usar a voz, “de uma maneira mais blues”. De fato, seu timbre agora está mais rouco e curtido pelo tempo em relação aos discos da década de 1980, por exemplo.

A banda de hardo rock AC/DC - Divulgação AC/DC

O grande teste da nova audição de Johnson aconteceu durante a gravação de um vídeo na Holanda, ele conta. O grupo se reuniu e montou um cenário com a mesma quantidade de amplificadores que usa no palco, ao vivo. “Angus [Young, guitarrista] disse: ‘devemos começar mais quietos’?. E eu disse não, vamos para a batalha, isso é uma guerra. Se eu não puder fazer desta forma, eu devo simplesmente parar.”

A banda então começou a tocar “Back in Black”, um de seus maiores hits, e o vocalista conta ter mergulhado com prazer na faixa e se sentido com 25 anos. Ele estava curado. O baixista Cliff Williams, que também sofria de perda auditiva, aproveitou que o especialista estava com a banda na ocasião e também pediu a Ambrose que lhe fizesse um aparelhinho para voltar a ouvir, relata o vocalista.

Contentes que a reunião da banda depois da morte de Malcolm tenha funcionado, o grupo planejava tocar alguns shows, mas a pandemia atrapalhou os planos. “Era como se a peste negra tivesse acabado de surgir”, afirma Johnson, acrescentando que se sente frustrado por não poder fazer o que tem feito nos últimos 40 anos —cantar rock pesado na estrada. “Isto está me matando, vou lhe contar.

Autocombustão

  • Durante a turnê do disco anterior, “Rock or Burst”, de 2014, a banda deu sinais de que ia ruir
  • O baterista Phil Rudd abandonou os shows no meio do caminho, pois foi sentenciado a oito meses de prisão domiciliar após se declarar culpado por ameaçar matar uma pessoa que trabalhou para ele; a pena também era relativa à posse de maconha e metanfetamina
  • Nos shows finais da turnê, o baixista Cliff Williams anunciou que estava cansado da banda e que iria se aposentar e parar de tocar
  • O vocalista Brian Johnson estava com sérios problemas de audição e teve de parar para não ficar completamente surdo; ele foi substituído por Axl Rose nos 23 shows finais, mas logo ficou óbvio de que o cantor dos Guns N' Roses não seria uma solução definitiva
  • O momento que marcou o início do retorno da banda se deu no funeral do guitarrista Malcolm Young, na Austrália, em 2017, quando o seu irmão, o também guitarrista Angus Young, encontrou o baterista e percebeu que ele estava se recuperando, fazendo terapia e em boa forma, como contou à revista Rolling Stone

PWR/UP

  • Quando 13 de novembro nas plataformas digitais
  • Autor AC/DC
  • Produção Brendan O' Brien
  • Gravadora Columbia
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