Um ponto alto da geração de videogames que se encerra neste mês foi “God of War”, que teve de usar algumas gambiarras para narrar sua saga.
O jogo lançado há dois anos para PlayStation 4 conta a jornada do deus Kratos para realizar uma última homenagem à mulher morta e, com isso, estabelecer vínculos com o filho.
A linguagem adotada no game é a de um grande plano sequência —para comparar, é como acontece no filme “1917”. Para evitar que uma tela de carregamento cortasse o barato, os produtores puseram obstáculos como portas pesadas e corredores estreitos. Enquanto o videogame exibe a animação do personagem superando a barreira, dá tempo de o console carregar os elementos à frente.
A maioria dos desenvolvedores nem tenta o drible e entrega uma tela estática com uma barra se enchendo. Uma quebra brutal da imersão. Esse será um problema resolvido ou muito amenizado com os novos consoles PlayStation e Xbox, que serão lançados neste mês.
A evolução mais notável de ambos é o uso de SSD, tecnologia de armazenamento mais veloz e silenciosa que os HDs. Além de carregamentos rápidos, a tecnologia abre possibilidades narrativas, como trocas de cenários instantâneas.
Outra novidade é que o hardware pode rodar em resolução 4K, 120 frames por segundo e com o chamado "ray tracing", ou rastreamento de raios. Esse último é o mais recente fetiche da tecnologia, um tipo de renderização que calcula trajetos de luz, reflexos e sombras.
O avanço visual já pode ser notado em “Spider-Man: Miles Morales”. Com lançamento simultâneo ao PlayStation 5, impressiona por efeitos que se assemelham às produções cinematográficas da Marvel. Pudera, o intenso uso de computação gráfica, faz os filmes de super-herói ficarem com cada vez mais cara de videogame.
Como o nome indica, o jogo desenvolvido pela Insomniac põe Peter Parker no banco de reservas para dar espaço a Miles Morales. O público que não acompanha os quadrinhos conheceu o personagem na animação “Homem-Aranha: No Aranhaverso”.
No game dá para se balançar livremente por uma Nova York em época de Natal, com neve, belos entardeceres, reflexos em prédios espelhados e sequências de ação grandiloquentes.
É bom segurar o queixo, porque os primeiros jogos são um ensaio do que está por vir. Dois fatores atrasam a chegada de títulos que aproveitem o pleno potencial dos aparelhos.
O primeiro é uma questão de mercado. Os primeiros lançamentos serão desenvolvidos considerando também os videogames antigos, que contam com maior base instalada. O outro ponto é a familiaridade dos desenvolvedores com as máquinas, que aumenta conforme a familiaridade com o novo aparelho.
Ou seja, por um tempo será possível acompanhar as novidades nos consoles atuais. Mas para jogar uma versão aperfeiçoada e completa será preciso comprar um dos aparelhos.
A narrativa com ares de Black Mirror “Watch Dogs: Legion”, da multinacional Ubisoft, e o místico “The Pathless”, da independente Giant Squid, são exemplos que seguem esse modelo de transição.
A grande diferença dos novos consoles está no acesso aos jogos. Um deles é um restaurante tipo buffet livre, enquanto o outro é à la carte.
O “coma quanto puder” representa os consoles Xbox. Como toda a indústria do entretenimento digital, os videogames passam por um momento de transição. Há só três anos surgiu um serviço digno do título “Netflix dos games”, o Game Pass da Microsoft. Por uma mensalidade que vai de R$ 30 a R$ 45, o jogador tem acesso a um catálogo com centenas de jogos. Um dos títulos do Game Pass é “Doom Eternal”, que custa R$ 250 se comprado individualmente, fora do serviço.
O carro-chefe da Microsoft vai aumentar ainda mais a oferta ao agregar títulos da desenvolvedora EA. Assinantes do pacote mais completo, o Ultimate, terão acesso a mais de 80 títulos de franquias famosas como a da Fifa e "Star Wars". O buffet livre ganha um rodízio de carne.
A dona do Windows surpreende por adotar uma postura de continuidade radical. A sensação de se usar um Xbox Series X é praticamente igual a do console anterior, o Xbox One. Isso significa que problemas como o controle à pilha e a interface confusa persistem.
Um recurso que corre o risco de passar batido é o "quick resume", que permite alternar entre jogos de onde se parou de jogar, sem a necessidade de carregar o ponto de salvamento. É mais uma vantagem do carregamento do SSD, um estímulo para provar outros pratos. Durante os testes feitos pelo repórter, o "quick resume" não funcionou com muitos jogos. Segundo a Microsoft, uma atualização será realizada depois do lançamento.
Do outro lado, está o PlayStation 5, o restaurante à la carte. A Sony aproveita o lançamento do hardware para provocar mudanças em diversos aspectos, do aplicativo de celular à interface do usuário.
O controle também passou por reformas. Ele põe de vez o tato como sentido para experimentar os videogames. Batizado Dual Sense, o joystick vibra em diferentes intensidades e locais do controle.
Além disso, alguns botões podem mudar a resistência à pressão segundo a narrativa. Ou seja, um jogo de automobilismo pode apresentar diferentes pesos para o acelerador dependendo do modelo do veículo ou da condição da estrada.
A apresentação desses e outros recursos do console fica a cargo de “Astro’s Playroom”, que já vem na memória e é protagonizado por um robozinho candidato a mascote.
A aventura faz inúmeras referências à história do console. Traz brincadeiras lúdicas com aspectos técnicos da tecnologia no melhor estilo do filme “Detona Ralph”.
Para superar os obstáculos, é preciso usar todos os aspectos do controle, o que aponta para possibilidades que podem ser exploradas pelos desenvolvedores. É preciso até soprar o joystick, uma forma criativa de usar o microfone e alto-falante integrado.
“Astro’s Playroom” lembra o Wii, o antigo console da Nintendo que tinha controles com sensor de movimentos —aliás, o Dual Sense também conta com esse recurso.
Se por um lado PlayStation 5, Xbox Series S e X abrem uma nova geração de videogames, também correm risco de obsolência já no berço. Facebook, Amazon, Google e a própria Microsoft investem em games na nuvem. Na teoria, qualquer dispositivo com tela e conexão à Internet poderá rodar jogos de ponta. Para quem gosta de jogar videogame no modelo tradicional, é bom lamber os dedos.
Xbox Series X e PlayStation 5 usados na apuração foram emprestados pelas fabricantes.
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