Cecília Beraba faz disco em homenagem a Jorge Mautner sem recorrer a sucessos dele

Cantora compôs melodias para letras do mestre em seu primeiro álbum, 'Eterno Meio-Dia'

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São Paulo

Disco de uma cantora com todo o repertório dedicado a um grande compositor da MPB é um projeto recorrente na cena musical brasileira. Mas o álbum de estreia da carioca Cecília Beraba apenas parece se encaixar nesse formato. Na verdade, "Eterno Meio-Dia - Parcerias com Jorge Mautner" é um lançamento singular.

Cecília dedica o álbum inteiro a Mautner, mas não recorre a sucessos ou mesmo músicas não tão conhecidas. Em dez faixas, ela criou melodias que acompanham letras inéditas dele mesmo. A exceção é a música que encerra o disco, "Eremita Erê", uma homenagem de Beraba ao veterano, com música e letra escritas por ela.

mulher de cabelos cacheados
A cantora Cecília Beraba, que lançou o disco 'Eterno Meio-dia – Parcerias com Jorge Mautner' - Ana Lúcia Araújo/Divulgação

A pergunta óbvia é como surgiu uma parceria dessas, e a história por trás do disco não é nada comum.

"Meu encontro com ele não teve pistolão, não temos ninguém em comum nas nossas vidas", conta a cantora. "Um dia, ouvindo coisas ditas por ele, tive uma iluminação, encontrei algo que batia forte com o que eu pensava."

Beraba então mergulhou fundo na obra de Mautner, em seus discos e seus livros.

"Eu estava em crise, não queria ser intérprete, estava tocando em bar, dando aula de canto", afirmou. Depois de ler e ouvir tudo, de cantar as músicas e fazer shows, ela sentiu que não poderia mais seguir sem falar com ele.

Há cinco anos, chegou mais cedo a um dos shows do ídolo. Queria o convidar para participar da gravação de uma canção. Mautner pediu que ela mandasse a música e, pouco tempo depois, convidou Beraba para ir à casa dele.

O compositor logo a reconheceu como uma parceira e disse que, dali em diante, eles se encontrariam semanalmente, até o dia de sua morte. "E tem sido assim desde então", diz a cantora, com entusiasmo. "É um privilégio."

Ela pediu demissão de todos os empregos que tinha, só manteve as aulas, "para pagar as contas". Além da obra autoral de Mautner, consumiu as sugestões que ele indicava.

As semanas se passaram nessa educação informal, com mergulhos em Freud e Dostoiévski, entre outros autores. "Só livrão para ler virando a madrugada", conta Beraba.

Hoje os dois têm mais de 30 músicas juntos. Nas letras do disco, há variedade, do Mautner das poesias longas e intrincadas, com vocabulário às vezes pouco usual, ao Mautner mais simples, de versos curtos e diretos, mas também poderosos.

Beraba alterna levadas e tons. O evidente conhecimento de MPB traduz em sua música a mesma diversidade da escrita do parceiro.

Mas Cecília Beraba diz acreditar que isso vem de forma diferente para cada um.

"O Jorge usa a canção para espalhar a palavra. Não complica muito. Ele fez 400 músicas tocando quatro acordes no violão. Tem a crença na espontaneidade da palavra", afirma Beraba sobre o parceiro.

"Eu tenho formação musical. O disco ficou esse mosaico por ser um salto no escuro da minha imaturidade e ignorância. Fui fazer um disco sozinha, cuidando da burocracia, pagando músico, decidindo arranjo. Uma maluquice."

Com tanto material passado pelo compositor, fica até difícil determinar o que é mais novo ou mais antigo.

Isso só fica evidente em "Teresa e a Tristeza", com versos tirados de "Deus da Chuva e da Morte", o primeiro livro de Mautner, lançado em 1962.

A contundente "Esquadrão da Morte" é uma espécie de crônica que o cantor e compositor fez a partir de uma notícia de jornal dos anos 1970.

Uma das parcerias que ficou fora do disco tem versos extraídos de outro livro, "Narciso em Tarde Cinza", de 1966.

Músicas recentes, com letras escritas já durante a pandemia, são duas —"Verdadeira Realeza, Corona" e "Religião É Consideração".

Cecília Beraba afirma que dedicar sua estreia a Mautner trouxe muita satisfação a ela, mas deixou represada sua produção autoral de música e letra. No final do ano passado, ela lançou dois singles digitais inspirados em orixás, "Exu" e "Omulu". Mas, aos 30 anos, seu baú já está cheio.

"Esse disco começou por um fogo do Mautner", lembra. Quando viu que não iria rolar participação dele, para cuidar da saúde na pandemia, Beraba sentiu que precisava pôr para fora essa produção.

"Eu fiz esse disco com outros quatro prontos na minha cabeça. Há tempos tentava entrar no estúdio e não conseguia, é muito caro e muito difícil. Entrei agora porque a princípio iria ser um disco com o Jorge, e isso abre algumas portas de estúdio, facilita as coisas", afirmou.

Enfrentando muitas dificuldades para soltar um disco independente no meio da pandemia, ela diz acreditar que não fará muitos shows com esse material.

"Acho que não vou conseguir girar com esse álbum. Espero que esse disco seja uma porta para um financiamento para gravar outro. Talvez algum edital, ou algum mecenas doido", diz Beraba, rindo da própria sinceridade.

Eterno Meio-Dia - Parcerias com Jorge Mautner

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  • Autor Cecília Beraba
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