O primeiro capítulo de "O Ar que Me Falta" descreve a chegada do autor ao pico de uma montanha para esquiar, num lugar deslumbrante.
Sujeito célebre, profissional bem sucedido, com uma família adorável, Luiz Schwarcz relata a sensação de desconcerto diante da experiência que deveria produzir satisfação, mas que se revela angustiante.
O anticlímax está posto, deixando o leitor a se perguntar como a realização de sonhos arduamente conquistados culmina no vazio descrito.
O fato é que, entre humanos, "chegar lá" nem sempre produz o prazer esperado, pois o presente --único tempo no qual se pode experimentar a felicidade-- congrega passado e futuro que são, por vezes, inconciliáveis. É a partir dessa constatação que Schwarcz nos introduz em sua história.
O consultório de psicanálise está repleto de pessoas que, tendo realizado quase tudo que almejavam, se veem perplexas diante da falta de prazer e alegria esperada. Bem poucas, no entanto, terão na escrita um recurso tão rico para refletir sobre seu sofrimento. Estamos diante do talento, da coragem e de um gesto de relevância social.
Mas se o livro vai fundo na dor e no desespero do autor, vale lembrar que ele acaba por revelar igualmente uma bela história de amor —pelos pais e avós, pela companheira inabalável, pelos filhos, netos e amigos, sempre ao seu lado.
A problemática repercutirá no leitor que busca entender a pregnância da depressão que assola o homem moderno. "De onde vem essa dor?" e "o que ela diz sobre quem somos e sobre a época na qual vivemos?" são perguntas indispensáveis.
Embora usemos a palavra depressão como se consistisse em um evento único, o termo funciona como um guarda-chuva sob o qual se abrigam sofrimentos particulares.
No caso de Schwarcz, demoraram a reconhecer, nas alternâncias de humor —depressão e mania—, o transtorno bipolar. Mesmo com o diagnóstico é bom lembrar que os rótulos bipolar, depressivo, fóbico, psicótico, neurótico não permitem sabermos de quem se trata, pois não são capazes de nos definir como sujeitos.
Vencida a batalha de admitir o adoecimento para si e para os outros, começa a busca por tratamento que, como os estudos confirmam, se compõe da vertente psiquiátrica (que nem sempre significa o uso de medicação) e psicoterápica.
Se Schwarcz está em busca da história de seu sofrimento, temos no livro de Christian Dunker, "Uma Biografia da Depressão", a história da própria depressão.
A produção Dunker é tão profícua quanto profunda e inclui três lançamentos só neste ano. O psicanalista e pesquisador apresenta a origem do uso corrente do termo e os elementos que passaram a ser abrigados sob ele.
Marca do autor, a erudição está à serviço da crítica, e o passado não se presta ao adorno, mas traz luz ao presente.
À interpretação que reduz a depressão à "'falta de ingrediente químico no cérebro' e 'gatilho' que dispara a repetição de crises de menos-valia e a piora funcional do indivíduo", Dunker contrapõe o reconhecimento do efeito da lógica neoliberal sobre os humores do mercado e dos sujeitos
A pergunta sobre si mesmo, o sofrimento e sua história são tão importantes para um sujeito, quanto para uma sociedade. Se pensarmos no Brasil, veremos que, entre indígenas dizimados, africanos escravizados, europeus exploradores e imigrantes fugidos das grandes guerras mundiais, o país abençoado por Deus revela uma história bem distante da fachada de alegria pela qual ficou conhecido no mundo.
Como sujeitos de uma época na qual a depressão é prioridade mundial e enquanto cidadãos do país com o segundo maior número de casos, a leitura dos livros de Schwarcz e Dunker é muito bem vinda.
É um grave erro, mas não incomum, reduzir a saúde mental ao equilíbrio da química cerebral, tanto quanto ignorar os efeitos dessa química sobre a subjetividade.
De naturezas diferentes, os textos recém-lançados evitam essa redução e se mostram extremamente oportunos.
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