Artistas de direita agora atacam Mario Frias e bordão de que 'a mamata acabou'

De Josias Teófilo a Carlos Vereza, profissionais da cultura falam de inoperância e obscurantismo na Cultura sob Bolsonaro

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Ilustração de dois homens em preto de frente para um incêndio

Ilustração de J. Carlos para capa da revista Careta, de junho de 1941 Coleção Eduardo Augusto de Brito e Cunha / Instituto Moreira Salles

Belo Horizonte

Se 2021 fosse um roteiro de filme ruim, algum aventureiro poderia representar a cultura como um campo de batalha dividido em dois lados bem antagônicos. O setor cultural, porém, revela ter mais nuances do que isso.

Uma parte destra da classe artística vem demonstrando distanciamento do governo Bolsonaro, e muitos dizem que a gestão de Mario Frias, o secretário especial da Cultura mais longevo do governo Jair Bolsonaro, prejudica não só esquerdistas em geral enquadrados como naturalmente avessos ao presidente, mas também artistas de direita, que tenderiam a simpatizar com o governo.

O presidente já teve apoio de nomes ultrapopulares, como Gusttavo Lima, muitos sertanejos e até pagodeiros. Hoje, a história é um pouco diferente. O cantor Eduardo Costa, por exemplo, revelou ter se arrependido de ter apertado 17. O cantor Ferrugem declarou apoio a Bolsonaro, mas recusava a pecha de "bolsominion". Alguns famosos que ficavam em cima do muro caíram para o lado oposto a Bolsonaro.

Na vida real, os diálogos dos personagens envolvidos nesse filme ruim poderiam ser parte de um bom melodrama. “Como é que a gente deixou o Bolsonaro ser eleito presidente? Como?”, perguntou a atriz Leandra Leal no programa Altas Horas, exibido no último fim de semana.

“Esta pequena elite arrogante, que dominava os mecanismos públicos da Cultura, ainda não entendeu que o homem comum, responsável pela eleição do presidente, não dá a mínima para seus discursos alongados e circulares”, rebateu na internet Mario Frias.

“Vivem num tubo de ensaio, numa vida artificialmente projetada, recheada de falso virtuosismo e ego. Nós outros, que vivemos no mundo real, estamos preocupados em garantir um futuro longe da tirania enfeitada que nossas ‘celebridades’ costumam pregar com tanta empáfia”, continuou o ator.

Leandra Leal é abertamente de esquerda e, talvez por isso, poucos se surpreenderiam com suas críticas a Bolsonaro. Mas, no espectro da direita e do centro, porém, artistas mais próximos do conservadorismo também passaram a atacar a gestão de Frias na Cultura.

“Vai muito mal”, diz o cineasta Josias Teófilo, diretor de “O Jardim das Aflições”, filme sobre Olavo de Carvalho. “Por exemplo, o bicentenário da independência, data importantíssima está chegando, e até agora não divulgaram [nenhuma ação da Secretaria da Cultura sobre a data], é lamentável."

A gestão do ex-“Malhação” foi responsável recentemente por um expurgo de livros entendidos pelo governo como problemáticos da Fundação Cultural Palmares —parte do material foi dividido em grupos como “iconografia delinquencial”, “sexualização de crianças” e “livros de e sobre Karl Marx”.

Frias e seu secretário de Fomento, André Porciuncula, participaram de lives direcionadas a artistas cristãos, dando dicas sobre Lei Rouanet. Tanto o mecanismo de fomento quanto a Agência Nacional do Cinema têm andado em marcha lenta nos últimos tempos, o que é atribuído pelo governo a prestações de contas atrasadas.

Quando uma live de temática LGBT foi cancelada na véspera pela prefeitura de Itajaí, em Santa Catarina, Frias comemorou.

“Esse discurso moralista é disfarce para inoperância”, diz Teófilo. "Todo mundo que reclama é 'mamata'", diz, em referência ao bordão "a mamata acabou". “A maior parte das pessoas que produzem cultura no Brasil é de esquerda. Tem os que estão dentro do armário. Trabalhei com o Kleber [Mendonça Filho], mas não me manifestava. Tem muita gente da cultura que votou em Bolsonaro e que não fala”, diz o cineasta pernambucano, sobre uma predominância de pensamentos mais à esquerda no setor cultural.

Essa aura canhota da classe artística, aliada a uma eventual simpatia pela ortodoxia econômica, pode fazer com que artistas de direita tendam a se distanciar de mecanismos com o da Lei Rouanet e fomentos da Ancine, por exemplo.

Procuramos a produtora Brasil Paralelo, conhecida como uma “Netflix da direita” e que tem crescido em equipe e faturamento —passou de 335% em 2019 e no ano passado— para saber como seus diretores avaliavam a gestão da Mario Frias.

A resposta foi que a produtora não tem “nenhum contato com ele e também não estamos acompanhando o que é feito pela pasta". "Não temos nenhuma relação com governo, inclusive temos uma determinação por compliance que nos impede disso.”

Teófilo demonstra ter uma visão diferente. “Todo mundo tem que usar a Lei Rouanet. A lei está aí, a lei é muito boa, não é de esquerda. [Sérgio Paulo] Rouanet foi ministro de Collor”, diz o diretor pernambucano, que completa afirmando que nos primeiros anos da lei, “a esquerda odiava Rouanet”.

Quem também se manifesta em favor da Rouanet é Ricardo Fadel Rihan, cineasta que chegou a ocupar a Secretaria do Audiovisual no início do governo Bolsonaro e conhecido, entre outros trabalhos, por ter produzido o filme “Real - O Plano por Trás da História”, lançado em 2017, sobre a gênese do Plano Real e sobre o economista Gustavo Franco, hoje no Partido Novo.

“Eu acho que um verdadeiro liberal defende as políticas de renúncia fiscal [como é a Rouanet]. A carga tributária brasileira é uma das mais altas do mundo. Quando o governo abre mão disso para a cultura é uma forma de reduzir essa carga tributária absurda”, diz Fadel Rihan.

O cineasta gaúcho diz se considerar uma pessoa de direita. "Eu sou de direita na economia, eu sou um liberal convicto", diz. Nos costumes, diz só ser conservador no debate do aborto. Seu filme sobre o Plano Real teve a primeira aprovação da Ancine no final de 2013 e foi autorizado para captar recursos até 2017. “Um filme de direita foi feito em governo de esquerda. Agora do jeito que a Ancine está, num governo de direita nem mesmo projetos de direita passam”, afirma.

Um filão do cinema brasileiro que não costuma ser automaticamente associado com a esquerda é o dos filmes espíritas.

André Marouço dirigiu longas como “O Filme dos Espíritos”, sobre a obra de Allan Kardec, e “Nos Passos do Mestre”, sobre a jornada de Cristo na Terra sob a ótica do espiritismo. Seu último filme, “Paulo de Tarso e a História do Cristianismo Primitivo”, com Caio Blat, foi lançado já no governo Bolsonaro, em 2019.

“Não me considero de direita nem de esquerda. Eu acho que a gestão do PT foi um completo fracasso, a única coisa que eles acertaram foi a distribuição de renda”, diz Marouço. “Eu lancei meu último filme nesse desgoverno [Bolsonaro]. Uma coisa simples como tirar o registro do filme, a classificação indicativa, tudo isso foi um processo horroroso. Não conseguia falar com ninguém da Ancine, emails não eram respondidos. Era difícil [na época do PT], quase impossível e agora se tornou impossível.”

Carlos Vereza, ator que costumava apoiar Bolsonaro, também não se diz de direita. “O livre pensador não se encaixa nas previsíveis caixinhas das ‘ideologias’ brasileiras”, afirma. “Mario Frias e seu obscurantismo são o lado visível e medíocre de um governo indiferente à arte e à cultura. Mas ele e o atual governo não nasceram de nenhum fiat lux. São a consequência da absoluta pulverização de valores, morais e culturais, dos governos petistas.”

"O atual fundamentalismo cultural é a outra ponta da gangorra gramscista que gerou em contrapartida não apenas Mario Frias, mas a reação de uma sociedade extremamente conservadora." E conclui —"pau que dá em Chico também dá em Francisco”.

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