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'Dez por Dez' é sensível, mas poderia desconfiar das generalizações

Peça-filme traz relatos triviais de personagens que parecem saídas de filmes e séries produzidos nos Estados Unidos

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Dez por Dez

  • Quando Até 11/7
  • Onde No site do Teatro Unimed, www.teatrounimed.com.br
  • Preço Grátis
  • Autor Neil LaBute
  • Elenco Angela Vieira, Bruno Mazzeo, Chandelly Braz, Denise Fraga, Eucir de Souza, Ícaro Silva, Johnny Massaro, Leopoldo Pacheco, Luisa Arraes e Pathy Dejesus
  • Direção Irmãos Leme

“Dez por Dez” é uma peça-filme dirigida pelos irmãos Guilherme e Gustavo Leme a partir de projeto do cineasta americano Neil Labute. Dez atrizes e atores apresentam quantidade igual de breves cenas nas quais personagens nada excepcionais contam algo sobre sua vida.

Todos olham diretamente para a câmera e falam durante mais ou menos dez minutos, sem cortes ou edição de imagem, como se conversassem com um interlocutor invisível, cujos olhos são as lentes da câmera —ou, talvez, como se o interlocutor fosse o público, do outro lado da tela. Tais características fazem com que a obra penetre um impactante espaço híbrido, ali entre o vídeo e o teatro.

Com uma ou outra exceção, não há nenhuma história fantástica sendo narrada. Pelo contrário, são fragmentos de vida comum. A maior parte das histórias são triviais e estão dispostas sem nenhum encadeamento aparente. Apesar disso, causam um tipo de interesse magnético. O mérito é muito do elenco, que defende as personagens com alta sensibilidade, expondo segredos banais de vidas dolorosamente ordinárias com um tom de forte excepcionalidade e interesse.

Um exemplo é o episódio protagonizado por Denise Fraga, uma das maiores atrizes em atividade no país. Com pequenos gestos cheios de significado e uma atenção intensa para os sentidos do que diz, ela conjuga rigoroso exame crítico de seu papel com uma comovente conexão com as dores da personagem —o que faz lembrar de seu último trabalho nos palcos, “Eu de Você”. A mulher de 50 anos interpretada aqui por Denise Fraga vive uma intensa crise melancólica e o vazio existencial da personagem ganha uma dimensão de grandeza profunda, com implicações sociais, no modo como a atriz a representa.

Mesmo convivendo com toda essa sensibilidade criativa, a adaptação brasileira de “Dez por Dez” intervém timidamente no material de Neil Labute.

A equipe parece acreditar que a vida cotidiana elaborada pelo texto do diretor estadunidense é um instantâneo de certa universalidade humana, com seus sofrimentos e alegrias fugazes; egoísmo e ressentimento; desejos e fracassos comuns a toda a espécie.

As localidades escolhidas e preparadas pela filmagem brasileira enfatizam essa contextualização genérica: os planos da fotografia em preto e branco de cada episódio criam ambientes abstratos, difusos, com fundo desfocado e sem nenhuma marcação específica: um bar qualquer, um escritório dentre milhões de outros, uma casa genérica.

Mas se é verdade que aqueles seres parecem reconhecíveis para nós, não é porque existe uma sentimentalidade universal que une a humanidade. Se olharmos bem, as personagens da peça parecem saídas diretamente de filmes e séries produzidos nos Estados Unidos. Muito provavelmente, são tipos reconhecíveis mais devido a hegemonia simbólica que esse mercado possui sobre nós do que por se aproximarem de algo como as formas essenciais do comportamento humano.

A montagem de “Dez por Dez” parece considerar natural essa transposição direta entre o cotidiano retratado por Neil LaBute e o brasileiro. A ponto de não achar necessário assinalar a especificidade do ambiente dos EUA ou retrabalhar as personagens, buscando conexões locais para os dilemas narrados por elas.

Apesar da alta sensibilidade que o projeto mobiliza, também há pouca disposição autoral dos criadores brasileiros e um tipo de generalização humanista que poderia ser observada com mais desconfiança.

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