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Série 'The Handmaid's Tale' cumpre desafio de chegar até livro

Baseado no romance de Margaret Atwood, seriado encerra quarta temporada buscando alcançar trama de 'Os Testamentos'

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Quando Margaret Atwood escreveu "O Conto da Aia", em 1985, não pensava que a distopia sobre uma opressiva teocracia estaria tão em voga nestes anos.

Pois a obra não só foi transposta para uma premiada série, "The Handmaid's Tale", como a própria autora canadense resolveu voltar ao assunto. Em 2019, lançou "Os Testamentos", vencedor do Booker Prize publicado aqui pela Rocco.

Ao não seguir a ordem cronológica dos acontecimentos da ficção televisiva, a escritora fez um desafio dramático a seus autores e produtores, porém. Este desafio marcou a quarta temporada da série, que chega ao fim neste domingo, no Paramount Plus, e deve continuar na quinta leva de episódios, planejada para ser a última.

A primeira temporada de "The Handmaid's Tale" conta quase todos os acontecimentos do livro original. Esconde apenas o anexo final, que dá conta de que toda a história é baseada nas supostas memórias de uma criada anônima, encontradas muito tempo depois e estudadas por um especialista em "assuntos de Gilead", transformado em gênero acadêmico.

Ou seja, ficamos sabendo que a existência de Gilead foi longa. Como sabem aqueles que acompanham a narrativa, Gilead é o nome dado a uma parte do que eram os Estados Unidos depois de serem tomados por um grupo de fanáticos religiosos que forçavam mulheres a terem filhos com diversos homens, num momento em que o mundo vive uma inexplicada crise de fertilidade.

A ideia de Atwood era pôr em primeiro plano todas as atrocidades e abusos já ocorridos com mulheres ao longo da história, só que acontecendo simultaneamente. Em Gilead, portanto, há de tudo —estupros, escravidão, sequestros de bebês, castigos físicos, prostituição forçada e castrações.

O desafio para os autores e produtores da série era o seguinte. "Os Testamentos" foram publicados quando a terceira temporada havia terminado. Porém, a obra acontece 15 anos depois dos acontecimentos desta quarta temporada.

Quando entrevistei Atwood no Hay Festival de Cartagena, em 2020, a escritora me disse "seria muito fácil escrever uma simples continuação e dizer, 'adaptem isso para a TV', fui mais ousada, propus um ponto final da história muitos anos depois, para que eles preencham". "Exigir um pouco deles, sabe?", afirmou, rindo.

Pois, os criadores da série tinham que a pôr no rumo do que acontece em "Os Testamentos". Agora, ao final desta quarta temporada, não se pode dizer que os roteiristas tiveram sucesso total, mas tampouco que fracassaram.

Atenção para os spoilers.

Antes de mais nada é preciso dizer que ler "Os Testamentos" de algum modo faz com que o leitor tranformado em espectador fique mais atento a alguns personagens e passagens e esqueça outros, que não terão nenhuma importância 15 anos depois.

Por exemplo, por mais rebelde e guerreira que se mostre June, vivida por Elisabeth Moss, nesta temporada, buscando não só justiça, mas abalar Gilead desde suas estruturas, sabemos que ela não conseguirá. Nos "Testamentos", seu nome nem sequer é mencionado diretamente, mas sim os de suas duas filhas.

Uma delas, Agnes, ou Hannah, terá uma vida aí, se esquecerá dos pais, por mais que ela e seu marido, Luke (O. T. Fagbenle), tentem intensamente a tirar de Gilead. Seu destino só mudará quando, na escola para ser treinada para ser uma "tia", ela encontra Tia Lydia, papel de Ann Dowd.

Já a pequena Nicole tampouco será criada por June ou Luke. Será protegida pelos membros da resistência para, um dia, ser infiltrada em Gilead para tentar destruir o sistema.

"Os Testamentos" do título se referem, portanto, a três depoimentos. O de Agnes, ou seja, da perspectiva de alguém para quem Gilead é todo seu universo conhecido. O de Nicole, que cresce no Canadá e acredita que pouco tem a ver com Gilead até que se encontra com seu destino depois de um acidente. E Tia Lydia. A conhecida carrasca das criadas será uma protagonista importante nos acontecimentos de Gilead em sua velhice.

A quarta temporada teve êxito com relação à obra literária ao mostrar que Tia Lydia está mudando. Já não é mais tão dura com as criadas, sofre com as dores de June e Janine, se torna agressiva com os homens e encontra em chantagear, obter informações e manipular um modo não só de sobreviver como de mudar os rumos do regime. Assim a veremos no futuro, pronta para, talvez, virar o tabuleiro do jogo.

Os episódios também acertam ao retratarem a guerra mais de perto. E quão longe estão os americanos no exílio de conseguir derrubar Gilead. Também dá mais cores à resistência no Canadá, e ao fato de, mesmo aí, existirem entusiastas do sistema opressor, algo que já se mostra nesta temporada, com o público que aplaude os Waterford quando saem do tribunal.

Os tropeços ficam por conta de não mostrar muito como se consolida o poder em Gilead, também com muita corrupção, algo que ganhará força com o tempo. E também por deixar o cotidiano de lá em segundo plano quando, na ficção de Atwood, ele continuou escravizando mulheres e cometendo atrocidades, enquanto poderosos comandantes disputavam o poder entre eles.

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