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Up Leon, o circo brasileiro que conquistou a Europa, baixa a lona com a pandemia

Biógrafo Toninho Vaz se prepara para lançar seu livro 'Circo Up Leon - A Magia Além do Picadeiro'

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Rogério Marques
Rio de Janeiro

A história de um circo brasileiro pouco conhecido no Brasil, mas que fez muito sucesso na Europa, está completando 30 anos e vai virar livro. “Circo Up Leon - A Magia Além do Picadeiro” está sendo finalizado pelo jornalista Toninho Vaz, autor de biografias como a do poeta Paulo Leminski e dos compositores Torquato Neto, Zé Rodrix e Luiz Melodia.

O livro, que sai neste mês, relata a aventura de quatro jovens brasileiros que batalhavam um lugar no picadeiro, até que a oportunidade surgiu quando menos esperavam.

A história começa em 1990. Renato Ferreira e Olga Dalsenter contam que naquele ano, ao lado dos colegas Climério Lutti e Júnior Fonseca, conhecido como “Sabugo”, se formaram na Escola Nacional de Circo Luiz Olimecha, no Rio de Janeiro. Ferreira diz que era o mais pobre dos quatro e que conseguiu se formar também em teatro, no mesmo ano, na Fundação Calouste Gulbenkian.

Trupe de circo
Trupe do circo Up Leon no Europa-Park, na Alemanha, o segundo parque temático mais visitado do continente - Divulgação

“Eu morava com meus pais e seis irmãos na favela de Vigário Geral, subúrbio do Rio. Trabalhava nos parques, nas ruas, fazia malabarismo, acrobacias, igualzinho àqueles caras da praça da Sé, em São Paulo. Imagina um garoto favelado, com o pai analfabeto, pedreiro. O pouco que meu pai ganhava era para comprar arroz, feijão e gás, não tinha como me dar dinheiro algum.”

Na tentativa de conseguir um emprego, Ferreira às vezes ia à escola de circo com um currículo e um álbum de fotos suas fazendo malabarismo, acrobacias. Num desses dias, em setembro de 1990, ele conta viu na portaria da escola um homem com aparência de estrangeiro. Era um alemão, empresário da área de diversões, em busca de novos talentos.

“Gottlieb Loffelhardt, conhecido como Seu Sony, falava português com forte sotaque”, lembra Ferreira. “Era um dos sócios do Playcenter, parque que na época fazia muito sucesso em São Paulo.”

Ferreira se apresentou como ex-aluno da escola e mostrou o álbum de fotos que carregava embaixo do braço. “Seu Sony gostou e disse que precisava de quatro artistas. O objetivo inicial, segundo o empresário, era um trabalho no parque temático Phantasialand, em Brühl, perto de Colônia, na Alemanha.

Para falar dos detalhes do trabalho e do contrato, o empresário marcou um encontro com Ferreira no dia seguinte, no apartamento de uma amiga dele no bairro da Lagoa. “Eu saí da escola empolgado, e corri para contar tudo à Olga e pedir que ela participasse do encontro. No dia seguinte estávamos lá, um apartamento luxuoso. Seu Sony nos mostrou um vídeo sobre o parque Phantasialand.”

Dalsenter conta que ficou impressionada com o que viu. “O parque era como a Disney, que eu já conhecia e tinha como referência. Era tudo bacana, sem problema, coisa séria.”

Seu Sony disse que o salário seria de US$ 1.300, com casa e comida. Nada mal para quem ainda morava com os pais, principalmente para Ferreira, que hoje tem o alemão como segundo idioma. Para completar o grupo de quatro artistas, como Seu Sony queria, Ferreira e Dalsenter chamaram os amigos Climério Lutti e Júnior Fonseca, o “Sabugo”.

Em janeiro de 1991, Seu Sony voltou ao Brasil com os quatro contratos. Era o momento de embarcar para a Alemanha e começar uma nova vida. “Eu nunca tinha andado de avião”, diz Ferreira. “Era um sonho, tudo aquilo. Depois de um ano na Alemanha, a primeira coisa que eu fiz foi comprar uma casa para minha mãe em Vigário Geral, mas fora da favela, para que minha família, meus seis irmãos tivessem uma vida melhor, mais tranquila.”

Ferreira conta que Phantasialand era um dos maiores parques temáticos da Alemanha, com hotéis, restaurantes, brinquedos famosos. “Com a base de estudos na escola de circo, conseguimos nos destacar e procuramos nos aprimorar ainda mais. Enquanto muitos artistas locais tinham uma única especialidade, nós éramos múltiplos, com experiência em grandes monociclos, malabares, trapézio, pernas de pau, diversos tipos de acrobacias.”

Ferreira lembra que no fim da temporada não faltaram convites de outros parques na Alemanha, Suécia, Finlândia, e até para shows em um lugar que os brasileiros jamais imaginaram –navios de cruzeiro, com até 13 andares, que fazem a rota Finlândia-Suécia pelo mar Báltico.

trapezista no ar
O trapezista Jonas se apresenta em espetáculo do circo Up Leon - Divulgação

“Esses navios têm uma área aberta com uma grande praça onde acontecem as apresentações. A empresa de navegação gostou tanto que a companhia Up Leon já trabalha há 24 anos num desses navios, o Symphony.”

Mas, afinal, qual a origem do nome Up Leon? Ferreira explica que os quatro fundadores do circo são do signo de Leão. E que “up” —para cima, em inglês— é uma expressão muito usada pelos artistas circenses sempre que vão dar um salto, tanto durante os treinamentos como nas apresentações.

Olga Dalsenter diz que à medida que aprimoravam as técnicas e faziam números mais elaborados, os quatro jovens recebiam novas propostas de trabalho e iam chamando outros artistas brasileiros para se juntar ao grupo.

Fizeram também parcerias com alguns projetos sociais como AfroReggae. Assim como Ferreira, muitos jovens que enfrentavam a pobreza e a proximidade do tráfico de drogas puderam conhecer um outro mundo. Segundo Dalsenter, por volta de 2010 a companhia chegou a ter 78 artistas. Muitos passaram a viver na Europa.

Do núcleo inicial do Up Leon, Olga Dalsenter e Renato Ferreira se tornaram sócios e gestores do circo, voltaram ao Brasil e hoje moram no Rio, onde Dalsenter administra a empresa.

A história do Up Leon, como a de outros circos, foi interrompida bruscamente no ano passo pela pandemia do novo coronavírus. Para os artistas circenses da Europa, do Brasil, do mundo inteiro a pandemia foi um golpe violento. Olga Dalsenter diz que todos os contratos foram cancelados.

“Em março de 2020 o governo da Suécia avisou que o parque não poderia abrir. Na Alemanha os parques funcionaram até outubro, quando foi decretado o lockdown e até hoje está fechado. E tudo é muito imprevisível, isso é que é o drama maior.”

Em todo o Brasil os circos vivem a mesma dificuldade, tanto as grandes companhias quanto os pequenos circos do interior. Uma situação dramática, segundo César Guimarães, presidente da Cooperativa Brasileira de Circos, em São Paulo.

“Desde o início da pandemia centenas de artistas, técnicos e proprietários tiveram que trocar o trabalho por qualquer outra ocupação. Alguns se tornaram balconistas em pequenos comércios. Outros nem isso conseguiram. Para arrumar algum dinheiro passaram a vender pipoca, maçãs do amor, biscoitos, tudo aquilo que tradicionalmente é vendido nos circos.”

Ex-trapezista, Guimarães faz parte da quinta geração de uma família circense. Aos 59 anos, é dono do circo Fiesta, onde trabalha com a mulher e um casal de filhos. Ele conta que atualmente tudo parou na vida da família, o circo e até a cooperativa, que chegou a ter 1.680 associados. A sede ficava na avenida Pompeia, mas teve de ser fechada por falta de dinheiro para pagar as contas básicas do imóvel.

Durante a pandemia, no ano passado, sindicatos e associações circenses de todo o país fizeram um mapeamento do número de circos no Brasil, em todas as regiões. Esse levantamento, que está no site da Funarte, listou 651 circos, que garantem o sustento de 9.579 profissionais. Ou garantiam. Guimarães diz que a maioria desses trabalhadores não conseguiu ter acesso às ajudas emergenciais do governo, ou obter recursos da Lei Aldir Blanc.

“A vida nômade, de improvisos, faz com que muitos não consigam se inscrever, prestar contas, lidar com a burocracia. A inscrição é feita online, a plataforma é sempre muito ocupada, sempre congestionada. O circense muitas vezes tem aqueles celulares antigos, sem acesso à internet. A pessoa acaba não conseguindo.”

A crise gerada pela pandemia acabou alterando também o roteiro do livro sobre o circo Up Leon, que está sendo escrito há cinco anos por Toninho Vaz. Ele conta que o trabalho já estava bem adiantado quando o coronavírus se espalhou pelo mundo, no começo do ano passado. Foi preciso parar, acompanhar a evolução dos acontecimentos, reescrever parte da história, acrescentar novas informações.

Mas o que levou um conhecido autor de biografias a se interessar pela trajetória de um circo pouco conhecido no Brasil? “Foi justamente isso que me interessou”, conta Toninho.

“É um circo em que os fundadores são brasileiros mas que pouca gente por aqui já ouviu falar nele. A companhia se firmou na Europa, levou para outros países dezenas de jovens brasileiros, muitos de origem humilde, de favelas e comunidades. Eu, que me considero bem informado, simplesmente desconhecia tudo isso. Quando fui atrás das informações fiquei impressionado com essa história. Os caras já tinham quase 30 anos de sucesso e estavam no melhor trecho da estrada.”

Uma estrada interrompida não se sabe até quando. Ferreira e Dalsenter dizem que, como tantos outros artistas, no Brasil e por todo o mundo, o que a trupe do Up Leon mais deseja é ver os picadeiros funcionando novamente, as plateias lotadas, ter de volta os aplausos e o carinho do público.​

Circo Up Leon - A Magia Além do Picadeiro

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