Biógrafo de Guignard defende a popularização das obras do pintor modernista

Segundo Marcelo Bortoloti, as melhores obras do artista estão dentro de mansões longe dos olhos do público

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Belo Horizonte

“Guignard não é um artista pouco valorizado, é difícil você encontrar um crítico que fale que ele é um pintor de segunda linha. No entanto, é um patrimônio nacional que, ao mesmo tempo, é uma propriedade de uma elite.” Foi assim que o jornalista Marcelo Bortoloti justificou a escolha de escrever uma biografia sobre o modernista Alberto da Veiga Guignard (1896-1962), em uma live realizada na última quarta-feira (28), no canal da editora Companhia das Letras, no YouTube.

Autor do livro “Guignard: Anjo Mutilado”, Bortoloti contou que a ideia inicial do livro foi popularizar a figura de um dos principais pintores do país. Guignard (lê-se Guinhar) é conhecido pelas obras que apresentam paisagens reais e imaginárias de Minas Gerais e retratos de famílias, amigos e figuras religiosas.

Segundo o escritor, as melhores obras do modernista estão em coleções privadas, “em apartamentos e mansões”. Entre os principais quadros de Guignard está "Vaso de Flores" (1930), que em 2015 atingiu a marca de a obra mais cara de um artista brasileiro a ser leiloada. Na época, o quadro foi arrematado por R$ 5,7 milhões na Bolsa de Arte, em São Paulo.

Atualmente, a obra mais cara é a “A Caipirinha”, pintada em 1923 por Tarsila do Amaral, e vendida no final de 2020 por R$ 57,5 milhões.

Silas Martí, editor do núcleo de Cultura da Folha, participou do evento e comentou a necessidade de as obras de Guignard chegarem ao grande público. “Essa apresentação do pintor tem que acontecer a cada geração, é o que acontece com a Tarsila. Quem foi ao Masp, por exemplo, talvez não a conhecesse até ver no Jornal Nacional a grande fila que se formou na porta e isso despertou curiosidade.”

Guignard nasceu em 1896, em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, mas se mudou para a Europa ainda novo, em 1907, e viveu entre França, Itália, Suíça e Alemanha, onde estudou na Escola de Belas Artes de Munique.

Em 1929, sete anos depois da Semana de Arte Moderna, voltou ao Brasil, mais precisamente ao Rio de Janeiro. Posteriormente, em 1944, o pintor escolheu morar em Belo Horizonte depois de ser convidado pelo então prefeito da capital mineira, Juscelino Kubitschek, para dirigir a Escola de Belas Artes. Já no final da vida, mudou-se para Ouro Preto, no interior mineiro.

“Eu sou de Minas e o Guignard acabou sendo adotado pelos mineiros. Ouro Preto é um lugar que, quando nós olhamos o pôr-do-sol, falamos: ‘isso aqui é Guignard’. Os mineiros aprenderam a olhar suas paisagens por meio de suas pinturas”, destacou Bortoloti.

O livro mostra como a vida do pintor foi marcada pela instabilidade e solidão. A principal causa seria uma deformidade no rosto que acabou afetando suas relações sociais desde a juventude. O diagnóstico era um caso severo de lábio leporino, má formação que afeta sobretudo a fala.

Live dividida entre duas telas; na esqueda, um homem careca, de óculos e barba; na direita, um homem de cabelo curto preto, de óculos, veste uma blusa preta
Live no canal da editora Companhia das Letras, no YouTube. Na esquerda, Marcelo Bortoloti, autor do livro “Guignard: Anjo Mutilado". Na direita, Silas Martí, editor do núcleo de Cultura da Folha - Divulgação

“É uma marca que estava no rosto, na sua apresentação. Guignard teve muita dificuldade em relacionamentos com o outro sexo; apesar de sempre apaixonado, ele foi muito rejeitado”, disse o escritor.

O trabalho de apuração, segundo Bortoloti, foi árduo, uma vez que documentos se perderam ao longo dos anos, principalmente os europeus, destruídos na Segunda Guerra Mundial –o pintor estudou na Escola de Belas Artes de Munique, na Alemanha, bombardeada durante a guerra.

“Encontrei documentos anódinos, como o inventário do pai dele, que traz referências muito ricas do seu cotidiano e por onde passou. Também tinha uma prestação de contas da mãe dele na Europa, onde ela descrevia o que comprou e por onde estava andando”, conta Bortoloti.

“Em Florença, os herdeiros de uma antiga namorada do Guignard guardavam uma caixa cheia de coisas dele. Mal sabiam quem era o pintor, apenas sabiam que a tia-avó gostava muito de um pintor brasileiro, mas não tinham ideia da importância do Guignard para a cultura do nosso país”, lembra.

Ao final da live, Silas Martí, editor da Ilustrada, fez uma comparação entre a relevância dos críticos de arte do passado e os de hoje, e o que isso poderia afetar Guignard caso ele ainda estivesse vivo.

“Naquela época, a palavra do crítico no jornal exaltava ou afundava reputações, mas hoje temos um ecossistema no mundo da arte que, muitas vezes, é alheio a isso. Eu fico pensando que, se o Guignard estivesse vivo hoje, certamente não estaria na penúria porque alguma galeria já teria acordado para o interesse comercial desse trabalho”, disse.

O livro “Guignard: Anjo Mutilado”, editado pela Companhia das Letras,​ está à venda por R$ 109,90. A gravação da live sobre a obra está disponível do canal da editora no YouTube e tem 55 minutos.

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