Entenda o debate sobre o passe de vacina contra Covid-19 para ir a shows nos EUA

Falta de uma lei nacional sobre o tema tem levado estados, municípios e mesmo empresas a criarem regras próprias

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Pessoas em shows tiram fotos com celular

Retomada dos shows Kimbella Vanderhee, em Nova York, em 3 de agosto de 2021 An Rong Xu/The New York Times

Washington

quem prova que está vacinado contra Covid-19 pode entrar e assistir a um show de jazz ao vivo no Three Muses, uma das casas noturnas que embalam a agitada Nova Orleans, no sul dos Estados Unidos. Desde 5 de agosto, o local exige que os visitantes apresentem comprovante de vacinação antes de se espremerem no disputado salão no coração da cidade que é o berço do jazz.

São aceitas a versão física do cartão, fotos do documento no celular e até aquela selfie feita depois da vacinação --geralmente postada nas redes sociais--, contanto que seja possível ler os dados com clareza.

Os imunizados têm suas informações gravadas e não precisam repetir o roteiro caso apareçam uma segunda vez.

A poucos metros do Three Muses, porém, outros lugares não faziam a mesma exigência até esta segunda-feira (16), escancarando a colcha de retalhos que alimenta o debate sobre a obrigatoriedade da vacina para ir a shows, teatros e grandes eventos nos EUA.

Retomada dos shows
Retomada dos shows Kimbella Vanderhee, em Nova York, em 3 de agosto de 2021 - NYT

A falta de uma lei nacional que regulamente o assunto abre espaço para que estados, municípios e até mesmo empresas e estabelecimentos criem suas próprias regras, o que tem gerado situações ambíguas e discussões cada vez mais inflamadas.

De um lado, os que defendem a exigência do cartão dizem que essa é mais uma forma de estimular a vacinação em meio a novos surtos de Covid-19, causados pela variante delta. Até agora, 50% da população dos EUA está completamente imunizada, mas quase um terço dos americanos diz que não quer receber nenhuma dose.

Do outro, estão os contrários à obrigatoriedade do cartão, sob argumentos que vão desde desigualdade e liberdade individual até comparações ao nazismo e à escravidão.

No início de agosto, Nova York se tornou a primeira cidade americana a exigir comprovante de vacinação para que pessoas frequentem lugares fechados, como bares, restaurantes, academias, shows e teatros.

Os espetáculos da Broadway, que vão levantar as cortinas novamente a partir de setembro, exigirão os cartões de imunidade, que poderão ser apresentados na forma física ou digital, e os espectadores também precisarão ficar de máscara durante as apresentações.

A decisão da maior cidade americana repercutiu. São Francisco, na Califórnia, e Nova Orleans, em Louisiana, anunciaram que vão exigir o comprovante em locais de entretenimento e outras atividades a partir da próxima semana. Em Washington, a capital dos EUA, ainda não há uma regra municipal, mas vários estabelecimentos --inclusive os que recebem show de música ao vivo-- anunciaram que também vão pedir comprovante de imunidade.

Vários líderes, porém, negaram-se a replicar a exigência. A prefeita de Boston, a democrata Kim Janey, por exemplo, disse que esse tipo de regra pode aprofundar ainda mais a desigualdade, evocando o período de escravidão nos EUA.

"Há uma longa história neste país de pessoas que precisam mostrar seus documentos", disse a prefeita em entrevista à imprensa local. "Durante a escravidão, pós-escravidão, e, recentemente, vocês sabem o que a população imigrante tem que passar aqui. [...] Queremos ter certeza de que não estamos fazendo nada que crie mais uma barreira para residentes de Boston ou impacte desproporcionalmente as minorias."

Historicamente, negros e latinos são mais resistentes a vacinas e têm menos acesso ao sistema de saúde nos EUA.

Outros políticos e ativistas também já tentaram traçar paralelos extremos à obrigatoriedade da vacina para grandes eventos, com comparações ao nazismo que incluem diversas informações falsas.

Mulher com cartaz de protesto
Manifestantes em protesto à exigência de vacinação em show do Foo Fighters, em Nova York, em 20 de junho - Andrew Kelly/Reuters

Em junho, um grupo protestou contra o show do Foo Fighters, na Califórnia, que exigiu comprovante de vacinação para as 600 pessoas que estavam na plateia. Do lado de fora, os manifestantes compararam a vacinação a práticas nazistas e hostilizaram os músicos com cartazes que, entre outras coisas, faziam referência ao Código de Nuremberg —tribunal de 1947 que julgou médicos nazistas.

"Por favor, apresente esse passaporte de imunidade, que comprova que você teve o seu braço estuprado por um arriscado experimento de eutanásia e que não previne doenças ou transmissão [do coronavírus]", dizia uma das faixas.

Esse tipo de afirmação já foi desmentida por diversos estudos científicos que provam que a vacinação é segura e eficaz, prevenindo contra mortes e internações graves por Covid-19.

Especialistas dizem que a exigência de vacina para grandes eventos é uma política inteligente, especialmente em centros urbanos, como mais uma forma de a população reconhecer o valor dos imunizantes no retorno à normalidade.

Sob esse discurso, a Live Nation, líder no mercado global de entretenimento ao vivo, anunciou que vai permitir que artistas exijam cartão de vacinação ou exame negativo para Covid-19 a plateias e funcionários de seus shows.

Pessoas aglomeradas em show
Lollapalooza em Chicago, nos Estados Unidos, em 30 de julho de 2021 - Jesse Lirola/The New York Times

Apesar de simbólica, a medida pode ter efeito reduzido, justamente por causa do limbo legal que existe nos EUA.

Se o show acontecer em Nova York, que obriga a apresentação do cartão de vacinação, o novo protocolo funciona. Mas, se o evento estiver marcado em um dos estados que proibiu a obrigatoriedade de comprovar a vacinação, como Flórida, Missouri e Texas, não será possível passar por cima do que determinou o governador.

Michael Rapino, presidente da Live Nation, afirmou em nota que exigir o cartão de vacinação é uma mudança importante na indústria de entretenimento e citou o Lollapalooza, em Chicago, como exemplo de sucesso.

Segundo a organização, 385 mil pessoas participaram do festival de música ao ar livre entre 29 de julho e 4 de agosto​ --90% dos participantes do primeiro dia do evento provaram que foram vacinadas, 8% apresentaram testes negativos para Covid-19, e 600 não puderam entrar porque não mostraram comprovantes de imunidade.

Especialistas, no entanto, afirmam que ainda é cedo para garantir que o festival não impulsionou transmissões e que não há estudos suficientes sobre o comportamento da variante delta entre vacinados, mostrando que o debate ainda está longe do fim.

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