Descrição de chapéu

Helena Carvalhosa embate passado e presente em sua obra

Pinturas e objetos da artista estão na Galeria Marcelo Guarnieri, em mostra mais completa já realizada até hoje

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Rodrigo Naves

Em julho de 2019 fui ver a exposição de pinturas de Helena Carvalhosa na Galeria Millan, em São Paulo.

Nunca havia olhado sequer uma reprodução de seus quadros. Conheci-a apenas pela avaliação muito positiva de dois amigos de quem respeito as opiniões: Germana Monte-Mór e Paulo Pasta. A vantagem de ver pinturas de um artista pela primeira vez reside na ausência de expectativas em relação ao que veremos.

Talvez a falta de convívio com as obras possa levar a enganos, que serão revelados apenas depois de uma experiência mais prolongada. O fato é que fiquei totalmente enlevado pelo que vi. A montagem generosa de apenas 20 telas de pequenas dimensões (em torno de 20 x 30 cm) não só acentuava a individualidade dos quadros como também tornava ainda mais leves as cores de Helena Carvalhosa.

As cores alegres e pudicas da pintora buscam estabelecer uma relação fraterna entre si. E para que essa fraternidade se cumpra plenamente tintas e cores não podem ter um apego muito forte à tela. Elas precisam manter a relação dúbia da lã com o corpo das ovelhas. Ou das nuvens com o céu.

Helena Carvalhosa
Quadro de Helena Carvalhosa - Carla Fialdni/Divulgação

As formas que as constituem têm uma variedade acentuada: faixas paralelas, ovoides, manchas irregulares. As regiões são determinadas por cores diversas e áreas de extensão diferentes. Sabem de suas peculiaridades. São elas porém tão serenas que obtém sua força de uma vizinhança cooperativa, coordenadora.

Mas se equivocaria completamente quem identificasse nessas composições recatadas a renúncia a uma vida mais pública ou, talvez, engajada. Mal consigo crer que Helena Carvalhosa tenha 83 anos, tal o frescor e a atualidade de seu trabalho.

Como a extraordinária pintura de Agnes Martin —mas sem nenhuma geometria— Helena parece pôr em questão a excessiva exposição de pessoas e coisas no mundo contemporâneo. Sem nenhum ascetismo ou recato.

A atual exposição de Helena Carvalhosa na Galeria Marcelo Guarnieri é a mais completa já realizada até hoje. São 44 pinturas e 41 objetos, distribuídos com generosidade no espaço da galeria. Esta mostra traz para o crítico uma dificuldade a mais. Os objetos têm uma natureza quase oposta à das pinturas, não apenas por seu processo de realização, mas por constituírem sentidos quase opostos.

Os objetos ou esculturas têm origem em artefatos que Helena Carvalhosa encontrou ou ganhou. O simples fato de preservar alguns objetos já implica um laço afetivo (amoroso ou não) com eles. A partir daí, numa operação mais voluntária ou estética associa-os um pouco à maneira de várias vertentes modernas (surrealistas, dadaístas, arte povera etc.).

O resultado sempre manterá um aspecto enigmático, pois as associações, diferentes das dos construtivistas, têm uma lógica, ao menos em parte, voluntariamente inatingível. Duchamp jamais correria esse risco.

Quanto às telas, por mais que mantenham uma discrição muito pertinente nos nossos dias, querem trazer à tona aquilo que a artista experimenta de seu tempo. Podem ser cores e formas meio contidas, mas nascem de um embate extremamente complexo e sutil entre passado e presente. Entre cores apenas lembradas e cores que realmente agem no presente.

Há como conciliar hoje atualmente memória e transformação sem que ambos sejam a consciência infeliz do outro? Não pode haver respostas simples para um problema que ocupa a humanidade ao menos há 150 anos.

A primeira vez que vi um conjunto significativo de obras de Helena Carvalhosa —e lido com as artes visuais há mais de 40 anos—, como já disse, fui tomado quase por um êxtase. Estaria realmente diante de algo novo que erguia a bandeira branca da paz?

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