Gaby Amarantos imagina Amazônia futurista com canoas voadoras em disco

'Purakê' chega quase dez anos depois de 'Treme', álbum que alçou a cantora e o tecnobrega paraense ao mainstream

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São Paulo

Há quase dez anos, Gaby Amarantos despontava com “Treme”, disco que a transformou de Beyoncé do Pará num dos nomes mais importantes do pop brasileiro, alçando o tecnobrega ao mainstream. Entre a cantora que surgiu fazendo versões em português de hits do pop estrangeiro e a artista que agora imagina uma Amazônia futurista, muita coisa mudou.

“A Gaby do ‘Treme’ tinha uma missão de mostrar essa música que a periferia da Amazônia estava produzindo”, diz a cantora. “Ninguém sabia o que era tecnobrega, ninguém sabia o que era uma festa de aparelhagem. A gente precisava falar muito desse tema para as pessoas poderem entender. Então por isso que ‘Treme’ era quase todo tecnobrega.”

A cantora paraense Gaby Amarantos em ensaio para seu segundo disco, 'Purakê', de 2021
A cantora paraense Gaby Amarantos em ensaio para seu segundo disco, 'Purakê', de 2021 - Divulgação

Além de sintetizar a sonoridade de uma cena que se desenvolvia no Pará, “Treme” trazia misturas do gênero eletrônico com a cumbia e outros ritmos caribenhos. Em “Purakê”, segundo disco de Amarantos, lançado nesta quinta-feira, ela expande os horizontes e propõe um novo pop amazônico, que é baseado no tecnobrega, mas não está limitado ao estilo.

“A sonoridade do álbum traz estilos musicais que nem eu sei a nomenclatura. É uma nova música dessa Amazônia afro-ribeirinha que está pensando daqui 50 anos. É pensar o futuro musical e mostrar para as pessoas tudo o que é fora do estereótipo. Porque quando a gente pensa em Amazônia, a gente pensa no pulmão do mundo, essa coisa da floresta, da região Norte, acha que a maioria das pessoas é indígena.”

O disco também está cheio de convidados ilustres. Alcione, Dona Onete e Elza Soares cantam na faixa de abertura, “Última Lágrima”; Ney Matogrosso e Urias, em “Vênus em Escorpião”, e há duetos com Luedji Luna e Liniker, entre outros.

Todo o álbum carrega a aura futurista e eletrônica, mas para além da euforia de “Treme”, Amarantos agora surge mais reflexiva. O nome espelha esse direcionamento, já que poraquê é um peixe elétrico da Amazônia que chega a dois metros de comprimento e tem uma descarga de 1.500 volts, mas vive em águas profundas.

“Ele precisa de águas escuras e profundas para sobreviver. E sempre está muito fundo no rio, por isso que é difícil de ver um poraquê. E ele tem uma voltagem muito natural, por isso a gente queria falar dessa eletricidade da natureza. Ele tem a água como elemento, por isso a gente fala muito de água, de praia de rio, do verão amazônico."

A sofrência em tempos de pós-verdade são temas recorrentes, em faixas como “Amor Fake” e “Selfie”. “Rio” e “Opará” remetem à natureza. “Rolha” é uma cumbia que imagina a celebração no pós-pandemia. E “Arreda” é um tecnobrega raiz, com presença da estrela do gênero, Viviane Batidão, e da youtuber Leona Vingativa. “É um grito de autoestima, exaltação e edificação do tecnobrega. O Caetano falou que a bossa nova é foda, e tinha que ser a gente para falar que o tecnobrega é foda.”

“Purakê” começou a ser feito em 2015 e, desde então, Amarantos fez diversas imersões com os parceiros de composição, incluindo um período num estúdio móvel num barco com o produtor do disco, Jaloo, e o guitarrista Lucas Estrela, ambos paraenses. “Todas as vezes a gente foi para algum lugar no meio da floresta, tomando banho de rio, comendo peixe e tomando cachaça de jambu”, ela diz.

A principal presença no disco, além de Amarantos, é Jaloo, que assina a direção musical e a produção do álbum, inserindo referências tanto do pop e do eletrônico internacional quanto da música paraense. “É um disco afro pop ribeirinho futurista. A gente está pensando muito em 2050, sabe? A gente já está vendo as canoas voando. Tive a experiência de tentar outros produtores, mas o Jaloo, quando eu falava que ‘isso podia ser um retumbão espacial’, sabia exatamente o que eu estava falando, porque é de lá. Conhece as festas de aparelhagem e sabe das vivências.”

Jaloo, inclusive, é um dos nomes da música paraense que despontou na esteira do sucesso de Amarantos com “Treme”, além de Gang do Eletro e até Pabllo Vittar, que recentemente regravou tecnobregas no álbum “Batidão Tropical”.

Desde 2012, quando o primeiro disco da cantora saiu, ela já fez turnês no exterior, saiu no jornal britânico The Guardian, virou trilha de novela, apresentadora do GNT, técnica do “The Voice Kids” e atriz —está escalada para a próxima novela das seis da Globo. Ela também se tornou uma espécie de madrinha do tecnobrega.

“Me sinto mãe do tecnobrega, mas também tenho muitas nuances dentro de mim. Luto muito contra rótulos. Não sou uma cantora de tecnobrega, sou uma cantora brasileira da Amazônia e quero mostrar ao mundo o que é esse novo som que a Amazônia tem. Mas o tecnobrega é a raiz.”

Mas além da influência estética, o tecnobrega também mostrou modelos de organização importantes para a música brasileira. O tipo de produção baseado no uso do sample e da música eletrônica, da produção e venda independente de CDs —quase um autopirateamento—, tudo isso hoje está ainda mais estabelecido após o aumento do acesso a celulares com internet pelo Brasil.

Foi Amarantos quem cantou que iria “samplear, te roubar” em “Xirley”, cujo clipe retrata exatamente o funcionamento desse mercado. “Vi uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas e eles mostram que esse é o modelo de mercado que começou com o tecnobrega”, diz. Ela lembra que foi exatamente este esquema de produção que chamou a atenção do jornalista Hermano Vianna, colunista deste jornal, que teve uma importância grande na ascensão de Amarantos.

“O Hermano chegou, eu estava na sala bordando uns figurinos, e ele queria ver. Quando ele começou a conversar com a gente, queria saber se a gente fazia tudo. Ele ficou muito passado. Foi a primeira pessoa a escrever que esse modelo de mercado seria o futuro. E, quando escreveu isso, muita gente ligada à música, gente de fora, veio querer saber mais sobre o trabalho de vários artistas do Pará.”

Amarantos recentemente virou meme quando disse ao jornal Extra que via balas perdidas todos os dias em Jurunas, bairro onde cresceu, na periferia de Belém. Ela depois pediu desculpas e agora diz que seu trabalho é exaltar as coisas boas de sua terra.

Mas a cantora também afirma que tenta ver as coisas dentro de uma “positividade realista”. Para ela, a situação atual do país —as queimadas nas florestas, a condução da pandemia pelo governo, o que ela chama de rombo na educação— é um absurdo.

“Mas dá para reverter. A gente tem que mudar esse discurso de achar que não tem mais jeito. Se a gente se informar, buscar votar melhor, a gente consegue sair dessa situação. Estou torcendo para que a gente consiga tirar esse governo do poder e vá para um caminho melhor.”

Purakê

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  • Produção Jaloo
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