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Televisão Maratona

'Fundação' mistura a farofa e a filosofia da ficção científica

Série baseada em obra de Isaac Asimov debate inevitabilidade das forças históricas e papel dos indivíduos nessas marés

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Fundação

  • Onde Disponível no Apple TV+
  • Classificação 12 anos
  • Autor Josh Friedman e David S. Goyer
  • Elenco Jared Harris, Alfred Enoch, Leah Harvey, Lou Llobell

Nem todo mundo apostaria que é possível um casamento harmonioso entre os aspectos mais farofeiros da ficção científica —tecnologia quase mágica, cenários grandiosos, combates espaciais— e as implicações filosóficas do gênero. A série “Fundação”, inspirada no livro homônimo de Isaac Asimov, chega perto de ser o filhote bem-sucedido dessa união improvável, apesar de algumas arestas.

Não é pouca coisa, considerando que o escritor americano é um dos pais fundadores da ficção científica moderna, com uma influência que continua sendo sentida inclusive em outras adaptações audiovisuais de sua obra, como “Eu, Robô” —mas não se deixe enganar pela versão algo pueril estrelada por Will Smith, gentil leitor.

O conceito mais importante da série do Apple TV+ é bastante fiel à natureza essencialmente cerebral da obra asimoviana. É a invenção da ciência conhecida como psico-história, que consiste na capacidade de usar modelos matemáticos para prever o futuro das sociedades humanas com bastante precisão, desde que estejamos falando não do comportamento de indivíduos, mas de grandes grupos de pessoas.

Aliás, bota “grandes” nisso —no livro que inspirou a série, somos informados de que o império galáctico imaginado por Asimov conta com trilhões de cidadãos, e só o planeta-capital, Trantor, abriga 40 bilhões de almas.

O pai da psico-história é o matemático Hari Seldon, interpretado pelo britânico Jared Harris, de “Mad Men”. Ou, dependendo de sua posição política, o cidadão do império talvez o conheça como “Corvo Seldon”, já que as equações psico-históricas indicariam, segundo o pesquisador, que os 12 mil anos de prosperidade imperial estariam destinados a findar numa conflagração apocalíptica, que lançaria toda a galáxia numa era das trevas com duração de dez milênios.

Como, ao que tudo indica, o império imaginado por Asimov funciona basicamente como uma monarquia absoluta da era pré-espacial, Seldon e sua pupila Gaal Dornick, vivida por Lou Llobell, são presos e submetidos a um julgamento político pelos potentados imperiais.

A pena dos dois é comutada para uma espécie de exílio quando Seldon argumenta que seria possível encurtar o período de trevas para “apenas” um milênio caso o legado dos milênios de sociedade imperial fosse preservado por um grupo dedicado exclusivamente a essa tarefa —a “Fundação” do título da série.

Ostensivamente, a dupla de matemáticos e os seguidores mais leais das profecias de Seldon são enviados para os confins da galáxia com esse objetivo, embora o establishment político de Trantor claramente tenha usado isso como desculpa para se livrar do visionário.

O conceito é tremendamente intrigante, no mínimo pelos debates que levanta sobre a impessoalidade e inevitabilidade das forças históricas e o papel dos indivíduos em meio a essas marés.

Por outro lado, Asimov nunca deixou totalmente de ser um cidadão cultural dos anos 1940 e 1950, criando histórias em que há poucos personagens femininos marcantes e nas quais as forças mais sombrias das últimas décadas, como o fanatismo e a xenofobia, desempenham papéis menores ou estão ausentes.

A série tenta compensar isso transformando Gaal Dornick, nos livros um personagem do sexo masculino, em mulher e destacando conflitos religiosos e étnicos que parecem estar entre os motores da implosão do império. Também é intrigante a transformação dos imperadores numa dinastia genética de clones, a qual sempre inclui o Irmão Aurora —ainda menino—, o Irmão Dia —a versão adulta— e o Irmão Crepúsculo —já idoso.

O desafio será contar essa história numa escala realmente secular e até milenar sem que se perca a conexão entre a audiência e os personagens individuais, relativamente insignificantes na lógica da psico-história.

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