O filme de Christopher Nolan que ele nunca fez. Irresistível fazer essa comparação com "Caminhos da Memória". Trata-se de uma ficção científica criada em cima da ideia de investigar a memória dos outros, um tipo de jogo mental recorrente na filmografia do diretor.
Mas aqui quem dirige é justamente a cunhada de Christopher Nolan, a estreante em longas Lisa Joy. No roteiro, teve ajuda marido, Jonathan Nolan, que é um habitual colaborador dos projetos do irmão.
O enredo tem ecos de Philip K. Dick, autor das ficções que deram origem a filmes como "Blade Runner" e "O Vingador do Futuro". A memória era um tema querido ao escritor americano. O filme de Joy paga um pouco de tributo a Dick, e não será estranho espectadores perceberem um tanto de "Blade Runner", principalmente no protagonista.
No lugar de Harrison Ford, quem aparece é outro ator habituado a filmes de heróis, Hugh Jackman, no papel de Nick Bannister, um cientista e herói de guerra, em um futuro não muito distante.
A ação se passa numa Miami inundada, qual uma Veneza pós-apocalíptica. O calor é tão forte que as atividades sociais são feitas pela madrugada. Durante o dia, todos dormem na cidade deserta.
Bannister desenvolveu uma máquina que permite o resgate de memórias. Ele ganha algum dinheiro usando a engenhoca para investigações da polícia e também para divertir saudosos de tempos melhores, que pagam para reviver esse passado.
Até que é visitado por uma bela ruiva. A inglesa Rebecca Ferguson faz o papel que remete diretamente às mocinhas nada inocentes dos noir dos anos 1940. O investigador de mentes e a cantora de boate começam um romance. Algumas semanas depois, ela desaparece e Bannister decide investigar seu paradeiro a partir de memórias de outros.
Aí tudo ganha aquele encaminhamento típico dos filmes de Nolan. Nada é o que parece, ninguém é quem afirma ser, e o mocinho da história está cada vez mais alucinado.
O filme opta por deixar o espectador construir aos poucos todos os acontecimentos numa lógica inatacável. Ao final da narrativa, tudo se encaixa.
No entanto, uma coisa atrapalha toda a proposta e impede a inclusão de "Caminhos da Memória" entre os filmes espetaculares desta temporada. Tudo é cerebral demais, a narrativa fria não dá espaço para que os bons atores transmitam emoções.
Jackman tem charme e físico para um herói de ação, e Ferguson é simplesmente deslumbrante, mas o romance dos dois nunca chega a decolar. Diálogos românticos caem num tom formal, como se ambos fossem ginasianos.
Mesmo a quase sempre ótima Thandie Newton não tem o que fazer como Watts, a assistente de Bannister com a tarefa inglória de colocar alguma graça no roteiro.
Sem tipos que envolvam o espectador, o enredo sobra como um quebra-cabeças desafiador, mas sem grandes surpresas. As soluções não serão nenhuma novidade para quem é consumidor de ficção científica moderna.
"Caminhos da Memória" deve ficar como uma diversão mediana, espécie de "Christopher Nolan genérico", com boas intenções e realização pouco inspirada.
Em se tratando de intrigas construídas em cima de jogos com a memória, reler os contos completos de Philip K. Dick ainda é um programa bem mais agradável.
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