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'Murina', na Mostra de SP, fascina com cativeiro em paraíso da Croácia

Produzido pelo brasileiro Rodrigo Teixeira com Martin Scorsese, filme é exibido no Brasil após ser premiado em Cannes

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Murina

  • Onde Próximas sessões presenciais: Cine Marquise, domingo (24), às 21h20; Espaço Itaú Frei Caneca, terça (26), às 17h40; Espaço Itaú Frei Caneca, dia 31, às 14h
  • Elenco Gracija Filipovic, Danica Curcic, Leon Lucev, Cliff Curtis
  • Produção Croácia, Brasil, EUA, Eslovênia, 2021
  • Direção Antoneta Alamat Kusijanovic
  • Link: https://45.mostra.org/filmes/murina

Os três primeiros minutos de "Murina" se passam debaixo d'água. Um homem e uma mulher mergulham num mar muito azul, munidos de arpão e snorkel. Qualquer diálogo seria impossível, evidentemente, mas desde o início não resta dúvida de que o contato entre os dois corpos é violento.

Depois, fora da água, vemos o resultado da pesca bem-sucedida. Dentro de um balde, com o anzol atravessado a carne, o peixe que dá título ao filme se debate. É uma espécie de moreia mediterrânea, conhecida por passar a maior parte do dia só, no mar profundo, escondida em grutas ou sob pedras.

O longa-metragem de estreia da cineasta croata Antoneta Alamat Kusijanovic narra alguns dias de verão na história da adolescente Julija, interpretada por Gracija Filipovic, que vive em uma ilha deserta com os pais, Ante, papel de Leon Lucev, e Nela, vivida por Danica Curcic. É Julija que vemos no mergulho do início do filme, num intrigante conflito corporal com o pai.

Se passar um punhado de minutos debaixo d'água pode provocar sensações como falta de ar, claustrofobia e angústia, na vida de Julija os sufocos são múltiplos. Deve, como a mãe, obedecer as ordens do pai —"limpe o peixe", "lave as cadeiras", "se vista", "fique quieta"— e pior, é uma garota que cresce sem qualquer convívio com pessoas de idade próxima à sua. Mas Julija não desiste da liberdade, apesar de, talvez, pouco conhecê-la.

As tensões afloram de maneira mais aguda com a chegada de Javier, interpretado por Cliff Curtis, um grande amigo de Ante que mantém uma relação ambígua com Nela. O anfitrião pretende vender sua propriedade ao visitante, que vive nos Estados Unidos, para instalar ali um resort. Mãe e filha sonham com a concretização do negócio, pois querem comprar um apartamento em Zagreb para viabilizar os planos universitários da menina.

O desfecho importa menos do que as cenas de autoritarismo do patriarca diante da coragem da filha e da submissão da mulher, num triste retrato de vidas femininas em cativeiro. A opressão paterna é infelizmente algo corriqueiro e, ainda assim, o filme fascina e surpreende.

Muito do encanto se deve à paisagem —o contraste entre as pedras brancas da costa croata e o azul do Mediterrâneo arranca suspiros, assim como a maestria das imagens subaquáticas. De tirar o fôlego mesmo é a performance de Gracija Filipovic, dona de uma beleza pouco comum, nada delicada, a quem o pai critica por ter "ombros de um garoto".

É quase um exagero quando o convidado canta "Volver a los 17" nesse cenário superlativo, onde tudo é tão belo e ao mesmo tempo tão áspero, num equilíbrio instável entre sedução e aspereza. Se há paralelo, está mais perto da potência da voz de Mercedes Sosa do que da delicadeza do "musguito en la piedra".

O nome do peixe é sonoro, e realmente tem sua importância no roteiro os anfitriões conseguirem ou não servir o pescado no jantar que celebra o reencontro com o amigo forasteiro. A escolha do título parece, no entanto, ter outras motivações. Ao final da sessão, não há como não notar a identificação entre a protagonista e o substantivo feminino.

"Murina" é uma improvável narrativa de confinamento ambientada em uma ilha paradisíaca do litoral croata. Nascida em Dubrovnik e instalada em Nova York, a cineasta conquistou com seu filme de estreia a Caméra d'Or no Festival de Cannes.

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