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'Música no seu Cérebro' é didático ao explicar obsessão por canções

Livro de Daniel Levitin alia teoria e neurologia para entender o cérebro humano diante das ondas sonoras

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A Música No Seu Cérebro: A Ciência de Uma Obsessão Humana

  • Preço R$ 69,90 (312 págs.); R$ 38,02 (ebook)
  • Autor Daniel J. Levitin
  • Editora Objetiva
  • Tradução Clovis Marques

Ouvir música se tornou uma atividade tão banal e onipresente que é preciso esforço deliberado para perceber a complexidade cognitiva que existe por trás daquilo. Para quem deseja dar uma sacudida nessa familiaridade enganosa, o livro "A Música no seu Cérebro", do psicólogo e neurocientista americano Daniel Levitin, é um achado e tanto.

Apesar de breve, a obra funciona tanto como uma introdução bastante didática à teoria musical quanto como apresentação dos desafios de estudar o cérebro humano. Não é pouca coisa, mas o surpreendente histórico profissional do autor ajuda.

Levitin abandonou seu primeiro curso universitário para tocar numa banda e, depois que o grupo terminou, passou uma década atuando como produtor musical nos Estados Unidos, tendo a oportunidade de trabalhar com engenheiros de som que recebiam artistas como Santana e Whitney Houston em seus estúdios. A curiosidade que ele tinha sobre questões como os detalhes finos da percepção musical, a natureza do talento e as origens da criatividade fizeram com que ele voltasse à universidade e iniciasse sua carreira acadêmica.

capa de livro
Capa do livro 'A Música no Seu Cérebro', escrito pelo psicólogo cognitivo Daniel J. Levitin e publicado no Brasil pela Companhia das Letras - Arsenio Coroa/Divulgação

Como o especialista aponta, nas últimas décadas emergiu uma desconexão curiosa entre o ato de ouvir música e o de produzi-la, ao menos na maior parte do mundo. Ficou tão fácil ter acesso a "conteúdo musical" (para usar a linguagem anódina das plataformas virtuais) que a imensa maioria das pessoas apenas consome música passivamente, sem nem sonhar em tocar um instrumento ou mesmo cantar (fora do chuveiro).

Não foi assim que a coisa funcionou ao longo da maior parte da história da nossa espécie, no entanto. Tudo indica que a nossa predileção instintiva por ritmos e melodias é pelo menos tão antiga quanto a origem do Homo sapiens e, quase sempre, era algo que acontecia em contextos comunais ou familiares. Quem ouvia música também quase sempre era capaz de fazer música –cantando, batendo os pés no chão, tocando instrumentos simples ou mesmo mais elaborados.

Com as mudanças nesse cenário, pessoas comuns passaram a se sentir cada vez menos à vontade na hora de entender como uma música funciona, e é essa barreira inicial que Levitin tenta vencer com seu curso rápido de teoria musical no começo do livro (o leitor pode ficar tranquilo: mesmo os que não sabem a diferença entre nota e acorde devem passar com tranquilidade).

Essa introdução já é o suficiente para mostrar qual o grande tema do livro: como a música funciona uma janela privilegiada para entender a capacidade de abstração do cérebro humano.

retrato de homem branco de cabelos grisalhos cortados rente à cabeça
O psicólogo cognitivo Daniel J. Levitin, autor de 'A Música no Seu Cérebro', publicado no Brasil pela Companhia das Letras - Arsenio Coroa/Divulgação

De fato, essa é a grande mágica. Um exemplo banal: como diabos conseguimos reconhecer sempre a indefectível melodia de "Für Elise" (a música de Beethoven que antigamente era tocada por todo santo caminhão do gás Brasil afora), seja quando é gerada por um pianista habilidoso num instrumento bem afinado ou pelos sintetizadores toscos de um celular antigo?

Entre um extremo e outro de competência musical, praticamente tudo muda, em especial o timbre (basicamente o lado qualitativo do som, que vem da maneira como ele é produzido –pelas cordas vocais de uma pessoa ou pelas cordas de um violão, por exemplo). Mesmo assim, o cérebro consegue captar a "essência" da melodia a partir do sistema de inter-relações entre as notas (grosso modo, a variação entre notas mais graves e mais agudas ao longo do tempo) e cravar: sim, isso é "Für Elise".

A música também abre portas importantes para a compreensão dos elos entre expectativas, memórias e emoções. É bem sabido que certas combinações de notas musicais são capazes de provocar reações emocionais distintas, e que isso ocorre de modo mais ou menos independente da cultura à qual o ouvinte pertence.

Ao que tudo indica, é o contexto emocional que faz certas músicas se tornarem tão fáceis de recordar, assim como acontece com outras memórias de tipo não musical. O porquê de fenômenos como esses terem se tornado tão importantes para todas as culturas humanas ainda é um mistério. Mas o livro é uma excelente maneira de chamar a atenção para a complexidade que se esconde por trás do mais simples dos refrões.

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