Stephen Sondheim trouxe o desconforto de ser gay e judeu para a Broadway

'West Side Story', clássico do pós-Guerra, traz questões que ainda são incômodas para quem fez dos EUA o seu lar

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João Lourenço
Paris

Filho de judeus imigrantes, o compositor e letrista Stephen Sondheim ficou conhecido nos Estados Unidos como um dos nomes mais importantes da Broadway. Morto aos 91 anos nesta sexta (26), ele deixa um legado que passa por diversas áreas da dramaturgia e uma carreira que coincide com as grandes transições culturais e sociais do século passado.

Sondheim acumulou nove prêmios Tony, um Oscar, um Pulitzer e oito Grammy, apenas para citar os mais importantes. Seu nome foi emprestado até para um teatro em Manhattan. No Brasil, suas obras mais conhecidas são aquelas que receberam adaptação cinematográfica, como "West Side Story", de 1961, "Company", de 1970, e "Sweeney Todd", de 2007.

Seja no palco ou nas telas, esses trabalhos ainda dialogam com questões fundamentais do presente —racismo, conflito de identidades e classes, violência urbana etc. "As letras e composições de Sondheim ainda influenciam a Broadway porque ele escrevia para o personagem, não para os libretos", diz Garnett Bruce, diretor de óperas e professor de drama no Peabody Institute of John Hopkins. Segundo ele, Sondheim percebeu que os personagens precisavam de verbos, atrevimento e sagacidade para sobreviver no palco.

"West Side Story" representou a grande virada da carreira de Sondheim. Ao lado do compositor Leonard Bernstein, ele escreveu uma história que vem sendo adaptada desde o século 16. Afinal, antes de se tornar livro, a ser lançado no mês que vem pela editora Intrínseca, o romance sofreu a influência de "Romeu e Julieta" de Shakespeare —por sua vez inspirado em um poema narrativo de 1562 intitulado "The Tragical History of Romeo and Juliet".

Cena do filme "Amor Sublime Amor"
Cena do filme 'Amor, Sublime Amor', dos anos 1960 - Divulgação

Um dos musicais mais revolucionários da cultura americana contemporânea, "West Side Story" acompanha o romance proibido de Tony e Maria, dois jovens que se apaixonam à primeira vista após trocarem olhares e passos de dança em um baile. Mas, antes mesmo de vivenciar esse primeiro amor, eles descobrem que fazem parte de realidades diferentes. Pode um amor puro sobreviver à violência e ao preconceito que os cercam?

Encenada nos Estados Unidos do pós-Guerra, a rivalidade entre os Sharks e os Jets, gangues que compõem o cenário de "West Side Story", continua atual na sociedade supostamente "pós-racial" da era Obama. Por trás de discussões violentas de jovens, temas importantes ganharam espaço nas músicas de Sondheim.

Cantada pelos integrantes das duas gangues, a canção "America" apresenta questões que ainda incomodam os americanos e todos aqueles que fizeram dos Estados Unidos um lar. "Se você pode lutar na América, a vida é boa na América. Você pode ser livre na América se você é branco. Você é livre para ser o que escolher. Livre para servir mesas e engraxar sapatos", entoam os personagens porto-riquenhos, refletindo os sonhos e as desilusões de imigrantes que, ao chegarem à "terra prometida", se veem obrigados a renunciar à própria identidade para se encaixarem no modelo americano ideal.

Essa e outras músicas de "West Side Story" inspiraram a maioria dos musicais lançados a partir da década de 1960. Ele rompeu as fronteiras da Broadway com seus números de dança integrados e uma variedade de ritmos populares. Ousado, atrevido e sombrio, a peça vai de uma comédia musical educada para uma tragédia apaixonante e selvagem. Sondheim tentou criar uma ponte entre a música erudita, o jazz e a música popular. "Pela primeira vez, temos um compositor que mistura o otimismo americano com o ritmo latino e leva isso para um palco da Broadway", afirma Bruce.

Um dos maiores trunfos de Sondheim está na composição de músicas e letras que permitem que qualquer um consiga cantar sem dificuldades. Alem disso, o compositor e letrista transportou a sua experiência pessoal —de perseguição e racismo vividos por um judeu gay em uma época em que a homossexualidade era considerada crime— e adaptou esse desconforto para os palcos da Broadway. Os personagens de Sondheim vivem numa constante procura por fugir das expectativas do "American way of life".

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