Descrição de chapéu machismo

Sexo e 'fodabilidade' são moldados pela ideologia, defende filósofa feminista

Ninguém é obrigado a transar com ninguém, mas Amia Srinivasan acredita que desejos devem ser questionados

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pintura

'Morning in a City', pintura de Edward Hopper de 1944 Reprodução

São Paulo

Más notícias para os conservadores –sexo também é ideologia. Esse é o argumento central da filósofa feminista Amia Srinivasan, professora da Universidade de Oxford, no conjunto de ensaios "O Direito ao Sexo", recém-lançado no Brasil pela editora Todavia.

No texto que dá nome à obra, Srinivasan defende que o desejo sexual não é um simples impulso natural inexplicável, mas um fato social complexo profundamente marcado pela cultura.

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A filósofa feminista Amia Srinivasan - Nina Subin/Divulgação

Isso ocorre porque o sexo não escapa à estratificação social que hierarquiza outras tantas esferas da vida, e a "fodabilidade" —"fuckability", no original em inglês— de cada corpo está associada ao status conferido a quem transa com ele. Essa distribuição de valor, por sua vez, segue clivagens como o racismo, o capacitismo, a transfobia e outras opressões. A "fodabilidade" é, em resumo, política.

Isso apresenta um problema para o feminismo contemporâneo em sua vertente sexo-positiva, critica a autora, porque se limita a enxergar o consentimento como a única restrição eticamente aceitável —todo o resto são preferências pessoais que devem ser respeitadas.

Mas, se essas preferências forem discriminatórias, elas devem mesmo ser respeitadas? E se for uma fantasia de estupro, ela ainda deve ser encarada como natural e apolítica? É nesse ponto que o problema se complica, já que ninguém é obrigado a transar com ninguém. Para responder ao título do ensaio, não existe um direito ao sexo.

A saída possível, segundo a autora, é interrogar nossos próprios desejos. Não no sentido de disciplinar essas vontades para que sejam politicamente corretas, mas sim de explorar mais livremente as possibilidades, sem censura moral.

"A questão não é como escapar da influência cultural externa, mas que formas de influência cultural nós queremos que nos modelem e modelem outras pessoas", afirma a filósofa em entrevista. Nesse esforço, Srinivasan resgata as feministas da segunda onda —dos anos 1960 e 1970—, vistas frequentemente como moralistas.

"Essas feministas tinham uma ambição de liberdade sexual muito maior do que eu acho que temos hoje. Liberdade sexual atualmente é pensada basicamente em termos de ruptura da estigmatização da promiscuidade feminina e em algumas formas de sexo não heterossexual", aponta Srinivasan.

"É importante se livrar desses estigmas, mas não ajuda se eles são substituídos por um novo conjunto de normas muito exigentes que pressionam mulheres a fazer uma certa quantidade de sexo ou a serem tranquilas em relação a um tipo específico de sexo nos termos dos homens."

A crítica ao feminismo contemporâneo não se limita ao campo sexual. Srinivasan vê com receio a cooptação dos movimentos tanto pelo Estado quanto por empresas. "O feminismo tem sido esvaziado de todo seu real conteúdo político e o que sobrou é uma ideologia muito adaptada a empresas tentando vender coisas. É uma ideologia também profundamente opressiva porque transforma a infelicidade de mulheres em uma questão de fracasso pessoal em vez de um problema de estrutura política", diz.

A crítica se dirige especialmente ao "feminismo do empoderamento", cuja abordagem individualista dialoga sobretudo com um grupo muito restrito de mulheres, as de classe média.No livro, Srinivasan questiona a visão de certas feministas de que o movimento deve se ater ao que todas têm em comum —o gênero—, porque isso favorece aquelas que estão em melhores condições, como mulheres brancas ou de status social elevado, marginalizando aquelas em situação vulnerável.

"O feminismo, para ser para qualquer mulher, tem que ser para aquela que está em piores condições."

A mobilização do sexo como arma eleitoral por grupos conservadores também é um exemplo do caráter político do tema, defende Srinivasan. A vitória de Jair Bolsonaro no Brasil e de Donald Trump nos Estados Unidos seriam em parte exemplos desse mecanismo, afirma. Subjacente à política autoritária está uma reafirmação do controle patriarcal por alguém que deve supostamente ser "o pai da nação".

"O que um pai deve fazer é controlar a vida sexual de todos na família porque tudo que não se encaixa no modelo patriarcal de relações é uma ameaça ao poder paterno. Eu acho que alguém como Bolsonaro sabe disso muito bem."

Mas por que o sexo é uma arma política tão eficiente especificamente na mão de conservadores? Segundo a filósofa, a resposta está no nível da psique. Formas sexuais que fogem ao convencional, ao que faz sentido para cada um, são ameaçadoras quando alguém imagina a si mesmo, ou seus filhos e netos, praticando essas modalidades.

"Seja porque pode ser muito difícil imaginativamente se pôr no lugar ou na cama de outra pessoa, mas porque frequentemente esse ato de empatia ou imaginação é muito ameaçador. E se no fim das contas eu gostar do que eu vir?"

Existe uma ansiedade natural que emerge da relação que temos com o sexo, defende Srinivasan, dada a verdade que nos revela sobre nossos desejos e, no limite, sobre nós mesmos. "Essas são ansiedades muito pessoais que os conservadores são muito bons em manejar, é algo muito eficiente e muito difícil de pensar o que fazer em resposta."

O Direito ao Sexo

  • Preço R$ 79,90 (320 págs.); R$ 54,90 (ebook)
  • Autor Amia Srinivasan
  • Editora Todavia
  • Tradução Rodrigo Corral
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