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Televisão

'BBB' e Faustão deixam claro que o streaming não matou a TV aberta

Diante de uma TV por assinatura perdendo espaço para o sob demanda, ainda é a modalidade gratuita quem dita a conversa

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Mauricio Stycer

Mais viva do que nunca, ancorada num programa de auditório antiquado e num reality show já exibido há duas décadas, a TV aberta brasileira ofereceu ao espectador uma segunda-feira gloriosa. Sob o comando de Faustão, a Band ficou em segundo lugar por um par de horas na faixa mais nobre em São Paulo, o principal mercado do país. A estreia do "Big Brother Brasil" rendeu à Globo a maior audiência de um programa em 2022.

Novamente a TV aberta deu provas de que as notícias sobre a sua morte são exageradas, parafraseando Mark Twain. As plataformas de streaming estão aí para ficar e dominar, mas o principal rival a ser derrotado ainda dispõe de armas poderosas –programas de auditório e realities, transmissões ao vivo de eventos esportivos e jornalismo.

O número total de aparelhos ligados em São Paulo nesta segunda-feira foi ligeiramente inferior ao da segunda passada –37,86% contra 38,51%. E também não cresceu no momento da estreia de Faustão –67,3% contra 67,7% há uma semana. Mas esses índices não dão conta de um fenômeno maior, nos dias de hoje —o transbordamento da audiência para outras plataformas.

Esqueça "Euphoria", da HBO, "Yellowjackets", do Prime Video, "Emily em Paris", da Netflix. No Twitter, ao longo da noite de segunda-feira, só se falou sobre dois programas da TV aberta, velhos conhecidos do público, Faustão e "BBB". É televisão de consumo fácil e agradável, "comfort TV", como alguém definiu.

Em outros tempos, mais tranquilos, a TV aberta exibia reprises e programas de menor importância em janeiro e fevereiro. O SBT, única emissora que parece ainda não ter transposto o portal do século 21, ainda faz isso. Mas a concorrência, de um modo geral, está esperta.

Das três estreias desta segunda-feira —Zeca Camargo também inaugurou um game show na Band—, a de maior impacto, pelo simbolismo envolvido, foi a de Faustão. Depois de um desacordo com a Globo, em que atuou por mais de 30 anos no comando de um programa dominical, o apresentador decidiu retornar à emissora que o tornou uma celebridade nos anos 1980.

Mas, diferentemente do que se imaginava, o apresentador, hoje com 71 anos, não voltou à Band para viver um momento de tranquilidade. Ao contrário, aceitou o desafio complicadíssimo de fazer um programa diário, de segunda à sexta, das 20h30 às 22h30.

Entre 2003 e 2020, tropeçando em dificuldades, a Band alugou o seu horário mais nobre para o "Show da Fé", um programa religioso do pastor R.R. Soares. Dependente dos rendimentos auferidos, o canal da família Saad via a sua audiência despencar num momento-chave da noite e enfrentava muita dificuldade para reerguer os números depois.

Desde que topou essa missão, Faustão tem feito muitas referências a João Jorge Saad, o fundador da Band, morto em 1999. Transmite a impressão de que tem muita gratidão pelo empresário. Ao apresentar seu filho, que atua como assistente no palco, ele se disse "inspirado na Band, que é uma empresa de família".

A estreia mostrou um enorme investimento em produção, muito acima do que a Band parecia capaz de oferecer, mas nenhuma ideia nova. Cinco minutos depois de entrar no ar, Faustão exibiu um bloco de "videocassetadas", um chamariz de audiência. E, nos cem minutos seguintes, números musicais de Zeca Pagodinho, Seu Jorge e Alexandre Pires, com as bailarinas do Faustão dançando ao fundo.

Os números de audiência da estreia em São Paulo foram consagradores. "Faustão na Band" marcou 8,3 pontos de média, atrás apenas da Globo, com 22,7, e à frente de SBT, com 7,6, Record, com 7,1, Cultura, com 0,6, e RedeTV!, com 0,3. Cada ponto na Grande São Paulo equivale a 74.666 domicílios ou 205.755 indivíduos. Em várias outras capitais, porém, incluindo o Rio de Janeiro, o programa ficou em quarto lugar, posição tradicional da emissora.

No ar de segunda a sexta, é possível calcular que Faustão fará 250 programas em 2022. Os números da estreia vão se manter ao longo do ano? Será muito difícil permanecer neste patamar, mas não há dúvidas de que elevarão as médias da Band. Mas esses números sustentam o investimento e os custos de produção? É uma incógnita.

Faustão representa, essencialmente, uma televisão do século 20 que, contra muitos prognósticos, teima em permanecer vivíssima. Ele é a cara da TV aberta, popular, gratuita, acessível a 97% da população.

A crise econômica, o desemprego e o ainda limitado acesso de parte da população à banda larga de qualidade explicam essa situação. Diante de um mercado de TV por assinatura em declínio, perdendo espaço para plataformas de streaming, quem dita as conversas ainda é a TV aberta.

Já o "BBB" sinaliza mais claramente a transição de modelos. É um programa totalmente conectado à ideia de que o conteúdo de entretenimento está sendo consumido simultaneamente em variadas telas –TV aberta, por assinatura, streaming e redes sociais.

É digno de nota que, na estreia da 22ª edição, a primeira coisa que o novo apresentador Tadeu Schmidt disse foi "o 'BBB' nem tinha começado e o Brasil já estava vendo". Exibiu em seguida, por três minutos, vídeos caseiros com comentários sobre os participantes escolhidos, prognósticos sobre o novo apresentador e variadas piadas sobre a edição —"memes".

Desde que passou a contar com pessoas famosas, e não só anônimas, a partir de 2020, o reality show da Globo produziu impacto positivo na audiência e no mercado publicitário. Também impulsiona toda uma indústria ao redor, que noticia e divulga o programa. E gera lucros para todos os participantes, que encarnam o papel de influenciadores, vendendo todo tipo de produto.

Não é possível chegar a muitas conclusões com base só numa segunda-feira. Mas essa noite especial ensina que o mercado de televisão no Brasil, em transformação, é muito complexo e não afeito a previsões simples.

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