Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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'Não Olhe para Cima' atesta talento da Netflix para repercutir nas redes

Comparação entre sátira de Adam McKay e os anos Bolsonaro gerou discussões virtuais às vezes até melhores que o filme

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Num mundo em que as redes sociais se tornaram a fonte primária de informação de um número enorme de pessoas, o sucesso de um filme, uma série ou uma novela é medido não apenas pelos seus índices de audiência, mas também pelas "conversas" que produz.

Estas conversas frequentemente são estimuladas por "influenciadores" pagos justamente com este objetivo. Mas também podem ocorrer espontaneamente, de forma "orgânica", como se diz.

Mesmo que muitas vezes a movimentação nas redes sociais tenha jeito de publicidade disfarçada, posso atestar que acontece de fato uma troca de informações e experiências reais entre os que se envolvem
em debates virtuais no Twitter ou no Facebook.

Jennifer Lawrence e Leonardo DiCaprio em cena do filme "Não Olhe para Cima", de  Adam McKay
Jennifer Lawrence e Leonardo DiCaprio em cena do filme 'Não Olhe para Cima', de Adam McKay - Niko Tavernise/Divulgação

"Engajamento" é a palavrinha mágica usada para designar o volume de interações dos usuários. Quanto mais se falar do assunto em pauta, melhor para a marca que está por trás da produção.

A batalha pelo engajamento do internauta no mundo audiovisual hoje mobiliza redes de TV aberta, canais por assinatura e plataformas de streaming. A Netflix, em particular, é uma das pioneiras neste esforço de dialogar com o espectador-cliente.

Em 2013, quando encomendou a uma produtora a primeira temporada de "House of Cards", a empresa divulgou ter levado em conta um cruzamento de preferências de seus assinantes para escolher a série, originalmente feita pela BBC, o diretor David Fincher e o protagonista Kevin Spacey.

A suposta cientificidade da Netflix transmitiu a impressão de que estávamos diante de uma empresa poderosa, capaz de manipular o gosto de seus assinantes e oferecer a eles exatamente o que queriam ver. Os muitos fracassos que vieram depois do sucesso de "House of Cards" mostraram que havia um tanto de bravata e balela nesta presunção de "ler" a mente do público.

Ainda assim, a Netflix vem sendo bem-sucedida, mais do que as concorrentes, em transformar os seus produtos no assunto principal das redes sociais —em outros tempos estaríamos falando em colocar séries e filmes "na boca do povo".

Repare que não se trata de uma discussão sobre qualidade ou relevância, mas sobre o fenômeno, realmente impressionante, que é a conversa caótica de milhares de pessoas sobre um mesmo assunto.

Foi assim este ano com o especial de humor "Encerramento", de Dave Chappelle, com a série de ficção "Round 6" e, esta semana, de forma muito intensa, com o filme "Não Olhe para Cima".

Não sei dizer se surgiu de forma espontânea ou veio de alguma agência de marketing a ideia de que situações e personagens do filme de Adam McKay tinham paralelo com situações vividas nestes anos Bolsonaro. Mas a comparação acionou uma discussão acalorada e divertida como há muito não se via. Para muitos, uma conversa até melhor que o filme.

Nas redes sociais, as vozes de autoridade disputam espaço com o espectador comum e, muitas vezes, com gente que está ali apenas para opinar ou provocar, mesmo sem ter visto o programa em pauta. Essa espécie de feira livre costuma ser saudável, ainda que nem sempre esclarecedora.

A polifonia se estabelece porque é irresistível opinar, mesmo que ninguém esteja disposto a ouvir. Para a Netflix, é o de menos. Importa o engajamento, a ligação do espectador com a marca da empresa e o filme.

Não poderia encerrar um texto desses sem opinar. Gostei de "Não Olhe para Cima". É uma sátira muitas vezes eficiente e bem feita aos dias atuais —e não apenas à obtusidade de políticos e militares no governo—, mas também à espetacularização do noticiário de TV e, claro, às conversas nas redes sociais.

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