Seguidores não equivalem a vendas, dizem editoras após onda de livros de influencers

Para especialistas nos EUA, redes sociais importam, mas são indicadores imprevisíveis de quantas cópias um autor vai vender

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Elizabeth A. Harris
The New York Times

Um livro de Billie Eilish parecia uma aposta garantida. Uma das estrelas pop mais populares do planeta, Eilish tem 97 milhões de seguidores no Instagram e outros seis milhões no Twitter. Bastaria que uma fração deles comprasse o livro para que este fosse um sucesso.

Billie Eilish em show na cidade de Austin, nos Estados Unidos, em outubro de 2021 - Rich Fury/AFP

Mas o livro, intitulado "Billie Eilish", vendeu apenas 64 mil exemplares em capa dura desde o seu lançamento, em maio, de acordo com a NPD BookScan, que acompanha a maior parte dos livros em papel vendido nos Estados Unidos —não necessariamente um número decepcionante, a menos que Eilish tenha recebido um grande adiantamento. O que, é claro, ela recebeu. O livro custou mais de US$ 1 milhão à editora.

É difícil prever se um livro será sucesso. Um vidro de molho de tomate não muda tanto assim de ano para ano, o que torna a demanda razoavelmente previsível. Mas cada livro é diferente, um trabalho individual de arte ou cultura, e por isso, quando o setor editorial tenta prever a demanda por novos títulos, está adivinhando, ainda que com base em dados concretos.

Como existem tão poucos indicadores confiáveis a observar, o número de seguidores que uma pessoa tem na mídia social se tornou parte padrão da equação quando uma editora decide se publicará um livro. O número de seguidores pode afetar quem consegue um contrato de livro e o valor do adiantamento que o autor recebe, especialmente para os livros de não-ficção. Mas a despeito de sua importância, isso passou a ser visto cada vez mais como indicador imprevisível de quanto um livro vai vender.

Ter um dos maiores números de seguidores no planeta não é garantia. "A única coisa confiável quanto a isso", disse Shannon DeVito, diretora de livros na Barnes & Nobles, "é que nada é confiável".

A plataforma de um autor é algo que as editoras observam —a pessoa tem um programa de rádio, por exemplo, ou participa regularmente de um programa de TV? Mas os veículos noticiosos locais e a cobertura de livros diminuíram, os caminhos disponíveis para publicidade de livros diminuíram, o que torna mais importante a capacidade de divulgação do autor. E quanto uma autora conversa com seus seguidores sobre um livro que escreveu, está falando com pessoas que estão pelo menos interessadas no que ela tem a dizer.

"Tornou-se muito mais importante, com a passagem dos anos", disse Mark Resnick, diretor executivo da St. Martin’s Press. "Aprendemos lições difíceis ao longo do caminho, no sentido de que "um tuite ou postagem não resultará necessariamente em vendas de livros".

Um exemplo é Justin Timberlake. Seu livro, "Hindsight", foi adquirido por mais de US$ 1 milhão, mas quando ele saiu, em 2018, Timberlake tinha um problema nas cordas vocais e não pôde promover o livro como tinha planejado. Seus 53 milhões de seguidores no Instagram não compensaram a falta de promoção. "Hindsight" vendeu cerca de 100 mil cópias em papel desde sua publicação, três anos atrás, de acordo com a BookScan, o que não fica nem perto das metas da editora.

A deputada federal Ilhan Omar, democrata de Minnesota, não é uma estrela pop internacional, mas conta com três milhões de seguidores no Twitter e 1,3 milhão no Instagram. Mas seu livro, "This Is What America Looks Like: My Journey from Refugee to Congresswoman", publicado maio de 2020, vendeu apenas 26 mil cópias, em mídia impressa, áudio e livro eletrônico, segundo sua editora.

Tamika Mallory, ativista social com mais de um milhão de seguidores no Instagram, recebeu mais de US$ 1 milhão de adiantamento por um contrato de dois livros. Mas seu primeiro livro, "State of Emergency", só vendeu 26 mil cópias em papel desde que foi publicado, em maio, de acordo com a BookScan.

O jornalista e personalidade de mídia Piers Morgan se deu mal nos Estados Unidos. A despeito de seus oito milhões de seguidores no Twitter e 1,8 milhão no Instagram, "Wake Up: Why the World Has Gone Nuts" vendeu menos de 6 mil cópias em papel nos Estados Unidos desde sua publicação um ano atrás, de acordo com a BookScan. (No Reino Unido, o livro vendeu mais de 190 mil cópias em papel, de acordo com a editora britânica de Morgan.)

É difícil saber por que esse tipo de coisa acontece. Às vezes, dizem executivos editorais e de marketing, existe um descompasso entre aquilo que os autores postam na mídia social e os temas de seus livros. Talvez os livros não ofereçam coisa alguma a mais do que o autor já posta no Instagram. Pode ser que o autor não tenha promovido o livro junto aos seus seguidores efetivamente, ou que os seguidores (aqueles que não são pagos ou "bots") não se entusiasmem muito com o que a pessoa posta.

Ou talvez o livro não seja muito bom. A mídia social é apenas parte do que faz um livro funcionar ou não, da mesma forma que é um dos fatores para a aquisição de um livro —as editoras estavam interessadas em Billie Eilish não por causa do Instagram, mas porque ela é Billie Eilish.

Em um esforço por mitigar esses problemas, alguns contratos de livros agora especificam o número de postagens de mídia social que o autor precisa fazer antes e depois da publicação do livro.

"Além de conversar com o agente e ler o manuscrito, queremos ouvir da celebridade que ela vai se dedicar ao livro", disse Barbara Marcus, presidente e editora-chefe da Random House Children’s Books. "Nós perguntamos gentilmente o que o autor vai dizer sobre o projeto e onde o livro se enquadraria em todas as demais coisas que ele esteja fazendo".

Um aspecto importante, dizem executivos, é que o setor está cada vez mais ciente sobre a diferença entre número de seguidores e seu grau de engajamento. Eles comentam sobre o livro? Compartilham?

"Há pessoas que deixaram de ser famosas e ainda têm milhões de seguidores, ou pessoas que deixaram seu posto político oito anos atrás", disse Eric Nelson, diretor editorial da Broadside Books. "O importante é entender: por que os seguidores comentam sobre aquela pessoa? E descobrir o que propele o engajamento".

Uma nova dimensão desse diálogo é o TikTok, que se tornou uma força poderosa nas vendas de livros. Títulos bem-sucedidos no "BookTok" costumam ser promovidos por leitores entusiásticos, que choram diante das câmeras de seus celulares e dizem o quanto amaram o livro, e não por autores divulgando suas obras. Mas propostas para livros a astros do TikTok já começaram a surgir.

Mary Ann Naples, editora da Hachette Books, disse que recentemente foi informada sobre uma proposta de um autor que criou rapidamente uma legião de seguidores no TikTok. Naples disse que o livro a interessou, mas o preço disparou.

Existem, no entanto, diversos exemplos de a mídia social ajudando a vender livros, como no caso de "Accidentally Wes Anderson", um livro ilustrado de Wally Koval sobre coisas espalhadas pelo planeta que parecem parte dos sets do cineasta, como uma pista de boliche rosa, amarela e azul. A conta de Koval no Instagram, que tem o mesmo nome e conceito do livro, tinha um milhão de seguidores quando uma editora arrematou o livro, e agora tem 1,6 milhão. O livro vendeu mais de 100 mil cópias em capa dura desde que foi publicado em janeiro, diz a editora.

Outro livro que se saiu bem foi "How to Do the Work", da psicóloga holística Nicole LePera, que tem 4,4 milhões de seguidores no Instagram. A biografia dela no Instagram afirma que "ajudo você a se curar + criar conscientemente uma nova versão de você", e seu livro vendeu 216 mil cópias, de acordo com, a BookScan.

A agente literária Tanya McKinnon disse não procede dizer que a mídia social não importa para as vendas de livros. Mas a verdade é que o setor não sabe o que as redes sociais farão por um livro específico.

"Se soubéssemos, as editoras não cometeriam erros", disse McKinnon. "Minha posição sobre isso tudo é que, se você descobrir alguém que realmente sabe, será que poderia dividir a informação comigo?

Tradução de Paulo Migliacci

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