Augusto Massi trouxe Borges à Folha e renovou a cobertura de livros

Hoje professor de literatura, jornalista arrancou entrevistas históricas de alguns dos maiores nomes das letras

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São Paulo

Ao desembarcar no aeroporto de Guarulhos ao lado de Jorge Luis Borges, com a visão ofuscada por câmeras de televisão e os ouvidos tomados pelo barulho de leitores fanáticos, Augusto Massi começou a viver algo parelho a um conto do próprio escritor.

Era 1984 e aquele jovem Massi de 25 anos estava havia poucos meses como titular da cobertura literária da Folha. Propusera à direção do jornal fazer algo que já havia malogrado nas mãos de peixes maiores: ir até Buenos Aires em pessoa para quixotescamente convencer Borges a vir ao Brasil.

Dois homens brancos sentados se olham. Do lado esquerdo o jornalista Augusto Massi sorri para o argentino Jorge Luis Borges. Eles estão numa entrevista coletiva no hotel Maksud Plaza
Augusto Massi e Jorge Luis Borges durante entrevista coletiva no Maksud Plaza - Acervo Pessoal - 1984

Chegou à Argentina numa segunda-feira de agosto e, no domingo seguinte, desceu em São Paulo acompanhado de um dos maiores escritores do século, cego e se locomovendo em cadeira de rodas, e de sua companheira María Kodama. Foi ali que se deu conta de que "ninguém acreditou mesmo que ia dar certo".

"O Otavio [Frias Filho, então diretor de Redação] me chamou no dia seguinte, um pouco antes do nosso almoço com Borges, e falou, olha, aqui dentro foi motivo de chacota quando eu falei que você ia trazê-lo. Brincavam: ‘o Santo Augustinho vai fazer milagre’. Mas eu já conhecia você e falei para todo mundo, ele vai trazer."

O evento ficou marcado nos anais da Folha, com um Borges à beira dos 85 anos discursando numa mesa improvisada no estacionamento do jornal, acompanhado de membros da nata da academia literária, do secretário de Redação, Caio Túlio Costa, e do próprio Massi.

"Foi uma loucura. Não deixava de ter um nonsense dentro do absurdo, eu pensava que parecia um conto dos mais fantásticos. Caminhões com bobina de papel entrando naquele pátio com intelectuais, o pouco cabelo do Borges levado pelo vento."

são paulo 1984 - Caio Tulio Costa, Maria Kodama, Raúl Antelo, Jorge Luis Borges, Jorge Schwartz, Davi Arrigucci Jr. e Augusto Massi [de pé]. Estas pessoas estão todas sentadas em cadeiras contra uma parede branca com uma placa preta escrito FOLHA DE S.PAULO. O piso tem carpete escuro. E um fotógrafo de costas registra o momento
Em 1984, na Folha, da esq. para a dir.: Caio Túlio Costa, María Kodama, Raul Antelo, Jorge Luis Borges, Jorge Schwartz, Davi Arrigucci Jr. e Augusto Massi, de pé - Acervo Pessoal

Aquele ano de estreia de Massi teve episódios que superam carreiras inteiras de boa parte dos jornalistas culturais. Chamado para dar um jeito na página de livros da Ilustrada —que, segundo ele, andava meio abandonada—, aquele jovem poeta formado em jornalismo não demorou nada para deixar uma marca indelével.

Com três meses de casa, deu o primeiro grande destaque nacional à mineira Adélia Prado. Em dezembro, falou com o recluso Raduan Nassar —de quem, noutro momento, recebeu uma ligação elogiando a diagramação da página de livros por sempre privilegiar autores brasileiros. Mas talvez sua maior façanha tenha sido arrancar uma entrevista de Carlos Drummond de Andrade.

"Foi um lance de sorte porque o Drummond estava brigado com a Folha. Tinha ficado aborrecido com a maneira como sua coluna havia sido suspensa. Mas ele estava mudando de editora pela primeira vez, da José Olympio para a Record, e ela exigiu por contrato que ele desse entrevista para todo mundo."

O poeta começou seco, monocórdio e taquigráfico. Estava de má vontade. Até que Massi tirou da manga uma edição de "Claro Enigma" anotada por seu pai, morto quando o jornalista tinha dois anos, e confessou que ele próprio também escrevia poesia. "Vamos começar de novo", disse Drummond.

Não só rendeu uma entrevista histórica como o itabirano topou ceder cinco poemas inéditos para o jornal. A Ilustrada foi destacada no prêmio Jabuti daquele ano por sua cobertura literária.

Massi​ credita à poesia alguns de seus maiores êxitos de jornalista. Mas não são menores suas contribuições à música —foi o responsável por extrair de Chico Buarque, depois de uma pelada em 1994, que o cantor tinha descoberto a existência de um irmão alemão— e à academia.

Professor da Universidade de São Paulo desde 1990, Massi ajudou a reconciliar a instituição com o jornal após um episódio envolvendo índices de produtividade acadêmica que havia amargurado a relação por anos. Articulou com colegas o Jornal de Resenhas, que circulou de 1995 a 2004 veiculando textos de professores na Folha. Segundo ele, foi oxigênio para ambos.

"Teve um momento da vida intelectual em que a universidade estava fechada para concursos, e a vibração da Folha catalisou para o jornal um tipo de candidato a intelectual. Depois, muitos foram retornando para a vida universitária. Tendo as minhas particularidades, eu vejo que obedeci a um movimento geracional."

Raio-X

Augusto Massi, 62

Paulistano, ingressou na Folha em 1984 para editar a página de livros da Ilustrada. No ano seguinte, foi correspondente em Madri e, em 1995, participou da implantação do Jornal de Resenhas. Colaborou com o jornal em cadernos como Ilustrada, Folhetim e Folhateen até 1998. De 2001 a 2011, foi diretor da Cosac Naify. Fez mestrado em literatura espanhola e hispano-americana e doutorado em literatura brasileira na USP, onde é professor desde 1990.

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