Descrição de chapéu Filmes Semana de 1922

Com Caetano e Emicida, '22 em XXI' debate contradições na Semana de Arte de 1922

Documentário de Helio Goldsztejn discute modernismo com a perspectiva do século 21 sobre racismo e povos indígenas

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São Paulo

Um carrossel de opiniões. É assim que o diretor Helio Goldsztejn define o debate sobre a Semana de Arte Moderna no centenário do evento.

Em seu novo documentário, "22 em XXI", a semana detona discussões sobre uma grande explosão criativa, que atravessa diretamente o tropicalismo. Mas é também central para constatar a formação de uma elite intelectual com formação racista e que elogia os bandeirantes e, portanto, o massacre de povos indígenas.

Cena de entrevista para o documentário '22 em XXI' de Helio Goldsztejn
Entrevista com José Miguel Wisnik para o documentário '22 em XXI' de Helio Goldsztejn - Divulgação

"As discussões atuais são muito movidas pelo fígado, e esse tipo de discussão a Semana de 22 já teve em outras ocasiões. Entre os próprios integrantes do evento ocorreram brigas, traições", afirma Goldsztejn. "Nós trabalhamos os paradoxos do movimento em vários sentidos, com pessoas que têm posições diametralmente opostos, mas que colocaram suas visões de forma muito racional, ultrapassando as barreiras que os próprios depoentes possuem."

Emicida, Caetano Veloso, Zé Celso, Ruy Castro e Aracy Amaral são alguns dos nomes reunidos para falar sobre a influência do modernismo na cultura brasileira com os olhos do século 21.

E com essa perspectiva contemporânea aparece, por exemplo, a avaliação que Hélio Menezes, agora curador da próxima Bienal de São Paulo, faz da tela "A Negra", de Tarsila do Amaral, e de como esse grupo de artistas retratava pessoas negras nas telas a partir de uma visão racista.

Era também um grupo que estava de costas para outras explosões culturais que aconteciam na mesma época. "Ao mesmo tempo, há o depoimento da própria Tarsila falando como ela criou a obra e qual foi a repercussão desse trabalho na época", lembra Goldsztejn. "Essas opiniões ajudam a conhecer o que foi essa explosão de criação do modernismo."

O documentário, que foi gravado já durante a pandemia, surgiu na verdade a partir de um projeto de filme ficcional sobre a Semana de Arte Moderna com interpretações dos principais personagens do modernismo, como Tarsila, Oswald de Andrade e Mário de Andrade.

Com a crise sanitária e os entraves do governo para as leis de incentivo, o projeto ficcional foi postergado. Ainda assim, o diretor manteve algumas dramatizações no próprio documentário. O roteiro foi feito em cima de falas registradas dos próprios personagens.

Há na fala de José Miguel Wisnik, um dos entrevistados do documentário, uma distinção do grupo de modernistas que Goldsztejn considera fundamental no filme. Wisnik menciona uma série de regiões do Brasil que, na época, tinham movimentos modernistas. Mas foi em São Paulo que isso apareceu como um projeto político.

No momento atual que o Brasil atravessa, o diretor considera que debater esse projeto é fundamental.

'A Negra', obra de Tarsila do Amaral
'A Negra', obra de Tarsila do Amaral - Divulgação

"O Wisnik no filme fala que, com o que se vive hoje, nem parece que houve 1922", diz ele, sobre os avanços modernos que se esperava para o país. "Veja agora essa tentativa de censura do filme em que o Porchat participa. Vivemos uma situação em que o modernismo nunca foi tão importante."

O movimento ainda agita debates que, muito recentemente, levaram à derrubada de estátuas ao redor do mundo. É mostrado no documentário que o olhar que eles têm para o bandeirante é o de um sujeito dourado, heroico, e não como o que exterminava povos para conquistar territórios.

Jerá, indígena do povo guarani de uma terra que fica em São Paulo, a Tenondé Porã, mostra em sua entrevista como esse ponto de vista é falso e danoso para os que foram mortos na colonização.

Depoimentos como o de Emicida, que fez um já emblemático show no Theatro Municipal, o palco da Semana de 22, também transportam o público para o que é produzido hoje na cultura brasileira –e que é atravessado pela influência do modernismo, ao mesmo tempo que pensa, por exemplo, pessoas negras como sujeitos criativos, algo que não era feito naqueles anos 1920.

"Como fala o Zé Celso e o Wisnik no filme, as margens tomaram o espaço de criação e não dependem mais dos meios tradicionais, conseguem mostrar o seu trabalho de forma extremamente criativa", diz Goldsztejn. "Há um caminho ali que não há sistema que faça voltar atrás."

22 em XXI

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