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De tapa na bunda a mão na calcinha: atrizes acusam 'Mago' do cinema de assédio sexual

Sergio Penna, um dos principais preparadores de elenco no país, nega acusações e diz que as enfrentará na Justiça

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São Paulo

Ramayana Régis era aluna do preparador de elenco Sérgio Penna quando, afirma, ele colocou a mão dentro de sua calcinha e forçou um beijo. O episódio teria ocorrido em 2013, e a então aspirante a atriz é hoje uma das 36 mulheres que acusam o profissional, um dos mais conhecidos do Brasil em sua área, de assédio sexual.

Na época também assistente de Penna no workshop que ele ministrava, Ramayana afirma que a fama do homem apelidado em seu meio de "Mago" a inibiu de denunciá-lo.

"O que fazer? Xingar? O que ele vai fazer amanhã [comigo]?", disse ela ao contar a história à Folha. "Os exemplos que tínhamos eram de mulheres se ferrando, sendo demitidas ou esquecidas."

O preparador de elenco Sergio Penna
O preparador de elenco Sérgio Penna - Reprodução

Ramayana, 32, é uma das quatro mulheres ouvidas pela Folha a respeito da violência sexual atribuída a Penna, três das quais consentiram em ser identificadas na reportagem.

O preparador se pronunciou por meio de seu advogado, João Francisco Neto, que enviou a seguinte nota: "A trajetória pessoal e profissional de Sergio Penna se ergue como um escudo em face de tais acusações, que serão enfrentadas nos autos do processo".

Penna atuou em grandes produções, tendo trabalhado com Rodrigo Santoro, Deborah Secco e Grazi Massafera, que qualificou sua assistência como fundamental para viver a ex-modelo viciada em crack em "Verdades Secretas", da Globo. Foi no workshop que ministrou de 2013 a 2019, porém, que ele conheceu as mulheres que hoje tentam levá-lo ao banco dos réus.

No caso que corre sob sigilo de Justiça e a cujos autos o jornal teve acesso, Penna é acusado de abusar "de jovens atrizes, com beijos e abraços lascivos, toques nas partes íntimas (vagina, seios, nádegas, orelhas, boca) sem autorização". Na ocasião, 15 mulheres prestaram depoimento. Hoje elas já são 36, segundo a advogada que as representa, Luciana Terra.

Da primeira leva de denúncias emerge o retrato de um assediador serial, que prefere atrizes em começo de carreira, ao menos duas delas menores de idade, e age tanto no curso quanto em confraternizações em bares.

Retrato de Júlia Corrêa, 28, (morena) Ramayana Regis Cavalcante, 32, (loira) e Clara Ferrari, 26, (ruiva), que dizem ter sido assediadas pelo preparador de elenco Sérgio Penna
Retrato de Júlia Corrêa, 28, (morena) Ramayana Régis, 32, (loira) e Clara Ferrari, 26, (ruiva), que dizem ter sido assediadas pelo preparador de elenco Sérgio Penna - Eduardo Anizelli/Folhapress

O registro policial delineia o modus operandi associado ao suspeito. "Sérgio acariciou o rosto da declarante e, quando a mesma tentou desviar, com as duas mãos segurou seu rosto novamente e tentou beijá-la, com força; a declarante ficou constrangida e o mesmo disse algo parecido com ‘bonitinha’".

É uma descrição similar à da depoente, na época menor de 18 anos, que teria ouvido do professor possuir a mesma aparência de uma atriz de Jean-Luc Godard. Diz ter recebido dele "um tapa com muita força nas nádegas" durante um exercício. O abuso teria ficado claro na festa de encerramento do curso, quando, segundo ela, Penna teria esfregado sua mão na genitália dele.

Em dezembro de 2021, foi instaurado inquérito policial, sob guarda do delegado Felipe Santoro da Silva, para investigar o preparador de elenco por estupro (artigo 213 do Código Pena e importunação sexual (215-A). No mês seguinte, o Ministério Público do Rio denunciou Sergio Penna por importunação sexual contra quatro alunas, em peça assinada pela promotora Janaína Marques Corrêa Melo.

Melo afirma que o suspeito "abusava do toque corporal, [...] justificando suas ações na sua suposta metodologia de ensino".

Ramayana diz ter sido atacada em uma noite na qual cedeu seu apartamento, no Rio, para um exercício. Em seu relato, ele teria tentado beijá-la; ela se esquivou e chamou um táxi.

"O táxi chegou, ele queria ficar mais. Eu já estava vulnerável, sem saber como agir. Aí ele passou a mão por dentro da minha roupa, querendo colocar a mão na minha vagina. Consegui levantar e mandar ele ir embora."

Em 2020, fora desse círculo profissional, descobriu outras mulheres dispostas a denunciar Penna.

Júlia Corrêa, 28, foi a primeira. Começou com um vídeo em rede social em que tratava do tema sem dar nomes. "Não dá mais para eu ficar calada", afirmava na gravação.

Foram as acusações iniciadas pela humorista Dani Calabresa contra o ex-diretor da Globo Marcius Melhem, um reflexo do movimento americano de denúncias de abuso no meio artístico MeToo, que inspiraram a ação contra Penna.

"Estava entalado. Vi muita coisa, trabalhei ali, indiquei o curso dele para outras meninas", conta Corrêa à reportagem. Ela diz ainda ter sido carcomida por culpa durante anos.

Ela afirma não ter sofrido abuso físico porque "os meninos da equipe eram minha sombra". Ainda assim, Penna a teria chamado para tomar banho com ele, diz. Mas só o expôs em um vídeo publicado em rede social quando já tinha desistido de ser atriz.

Clara Ferrari, 26, também foi auxiliar do preparador no workshop. "Ele falava, ‘chegou a Clara, meu amor da ilha da magia’. Eu me sentia importante", conta ela, que se mudou de Florianópolis para o Rio por sugestão de Penna.

A princípio, diz, via no mestre alguém "muito carinhoso e poético, uma coisa até meio Shakespeare". Enxergava-o como um avô. "Era o carinho que eu tinha por ele."

Ferrari afirma que Penna a convidou para um café assim que ela se estabeleceu na cidade, em abril de 2017. No caminho, segundo ela, o preparador teria contado que trabalhava com Isis Valverde em "O Canto da Sereia" e pedido que mudasse a rota para um apartamento que a emissora lhe cedia. Ali, teriam conversado sobre os sonhos da aspirante quando, segundo ela, "ele começou a ficar agressivo, disse que eu estava sendo extremamente ingênua, para parar de ser boba".

A ex-aluna afirma que Penna a aconselhou a se preparar para transar com superiores se quisesse dar certo no ofício. Teria lhe dito que estava sendo legal ao alertá-la para a realidade, e que da forma como agia demoraria dez anos para conseguir um papel na novela das seis.

Ela relata ter se sentido atordoada. Em seguida, afirma Ferrari, Penna teria se aproximado, tentando beijá-la e boliná-la. Ela se desvencilhou, mas antes que saísse, o professor lambeu seu pescoço e a segurou forte, afirma. "Ele tentou botar a mão por dentro da calcinha."

Ferrari conta ter pensado muitas vezes em morrer depois desse dia. "Eu me sentia suja, achava que tinha dado liberdade."

Até que, três anos depois, foi procurada pela amiga Júlia Corrêa, que lhe perguntou se havia visto "Bikram". O documentário da Netflix trata de um mestre da ioga que era um predador sexual.

"Era muito semelhante ao que a gente vivenciava com Penna", afirma Ferrari, para quem o ex-professor estava blindado pela aura de guru. "Todo mundo passava pano pro que ele fizesse."

Ferrari engrossou as denúncias contra Penna, endossadas pelo MeTooBrasil e encaminhadas ao Ministério Público pela promotora Gabriela Manssur, referência no combate à violência contra a mulher no Brasil. As vítimas receberam apoio psicológico do Justiceiras, rede de proteção a mulheres agredidas.

Por videochamada, com a estátua de um Buda no fundo, Ramayana diz que quebrar o silêncio lhe trouxe alguma paz à consciência. "Quando nós, enquanto conjunto de atores, criamos essa imagem de seres inalcançáveis?", ela questiona. "Onde [o assédio] se confunde com o lugar em que a gente idolatra essa pessoa? A imagem que o Sergio tinha de mago?"

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