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Fernanda Montenegro toma posse na ABL e cita 'carência cênica' e desejo de renovar

Atriz faz discurso de ode ao teatro e exalta Shakespeare e Nelson Rodrigues em cerimônia

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Rio de Janeiro

Muito emocionada, a atriz Fernanda Montenegro abriu seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras nesta sexta-feira citando William Shakespeare —"o mundo é um palco e todos nós somos atores nesse palco"— e exaltando a profissão que a consagrou.

"Sou uma incansável autodidata. Sou atriz. Venho dessa mítica arte arcaica e eterna. Atores, cenógrafos, dramaturgos. Somos uma raça indestrutível", disse. "Somos amorais. Para muitos, ainda somos marginais. Nenhum pai e mãe aceitam um filho, muito menos uma filha, optarem pelo palco. Amadoramente, sim, mas não como profissão."

fernanda montenegro sentada de fardão
A atriz Fernanda Montenegro durante sua posse na Academia Brasileira de Letras, na sexta-feira (25) - Alexandre Cassiano/Agência O Globo

A artista, que causou furor em uma ABL lotada, confirmou seu desejo de repaginar o teatro da casa. E disse que gostaria de encenar Simone de Beauvoir, além de fazer um monólogo autobiográfico. "Uma espécie de Fernanda por ela mesma."

"Acho que há uma carência cênica no país inteiro. A expressão teatral não morre. Superamos guerras, pandemias. O teatro não morre."

Também presente, o igualmente imortal Gilberto Gil celebrou a posse da artista. "Acho que a Academia, desde a sua fundação, tenta se manter em um processo de atualização. Claro que falta ainda muita gente, mas a presença de uma mulher do palco, como Fernanda, deve ser celebrada."

Fernanda Torres prestigiou a mãe. "Ela é uma operária. Mamãe não para de trabalhar. Ela é inacreditável."

A sessão solene marcou a entrada da atriz de 92 anos na instituição, para a qual foi eleita em novembro do ano passado, contando com 32 votos entre os 35 membros da Academia. No evento, ela saudou em especial Nélida Piñon, sua amiga e secretária-geral da atual gestão da ABL, hoje presidida pelo jornalista Merval Pereira.

Fernanda foi conduzida a sua cadeira de honra da cerimônia de posse pelos acadêmicos Rosiska Darcy de Oliveira, jornalista, e José Sarney, ex-presidente da República, citado pela atriz em seu discurso. Ela também reverenciou Afonso Arinos de Mello Franco, seu antecessor naquela cadeira da Academia, morto em março de 2020.

Vencedora dos mais importantes prêmios nacionais de teatro e cinema —sendo a única atriz brasileira indicada ao Oscar, por sua atuação em "Central do Brasil"—, Montenegro sublinhou com frequência que sua eleição simbolizava a chegada das artes cênicas à casa de Machado de Assis.

Lembrou que o teatro está presente no Brasil há mais de 300 anos e que ela mesma participou da maior parte dessa história no século 20, enfileirando ao longo do discurso os dramaturgos que interpretou, "de Oswald de Andrade a Millôr Fernandes, de Ariano Suassuna a Nelson Rodrigues".

Há a expectativa de que a atriz promova uma revitalização do teatro da Academia, com leituras de Nelson Rodrigues já confirmadas na programação de abril.

Em entrevista à Folha à época da eleição, ela afirmou que pretende manter sua postura ativa no debate público, ao contrário da tradição de alguns acadêmicos que evitam aparecer. "Nesta profissão, tenho que vir a público. Não posso me fechar num gabinete, num deserto, numa ilha e fingir que nada está acontecendo."

Na mesma ocasião, ela afirmou que não queria que Jair Bolsonaro fosse reeleito à Presidência, mas que também não queria reconduzir Lula ao cargo.

"Estamos vivendo um momento complicadíssimo, porque esse horror [Bolsonaro] quer continuar, e o outro [Lula], apesar de ter sido bastante interessante, quer voltar. Mas com quem? Com o quê? Com qual atendimento político honesto e sadio, sem ter que comprar votos para continuar, por exemplo? [Se o Lula voltar], seria como uma reeleição."

É um posicionamento que ela reforçou em entrevista na semana passada ao jornal O Globo, quando afirmou que não deve votar nas eleições de outubro e que sentia que Brasília é "um país que coloniza o Brasil".

A eleição de Fernanda para a ABL, juntamente com a do compositor Gilberto Gil, foi interpretada como uma guinada na instituição, que estaria buscando se atualizar e ampliar os contatos entre diferentes campos artísticos, como teatro, dança, música, performance e literatura.

Se é verdade que a Academia Brasileira de Letras nunca se restringiu a abarcar escritores, também se nota um movimento de ampliação de sua popularidade por meio de nomes extremamente célebres como Fernanda e Gil.

Depois dos dois artistas, foram eleitos ainda para cadeiras que estavam vagas o médico Paulo Niemeyer, o advogado José Paulo Cavalcanti e o economista Eduardo Giannetti da Fonseca.

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