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Samuel L. Jackson se afasta da fama de machão para viver velho com Alzheimer

Ator mais rentável de todos os tempos, ele assume sua fragilidade em 'Os Últimos Dias de Ptolemy Grey', do Apple TV+

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pôster de série

Samuel L. Jackson no pôster da minissérie do Apple TV+ 'Os Últimos Dias de Ptolemy Grey' Divulgação

São Paulo

O personagem é um homem negro, já bem adiantado na casa dos 80 anos de idade, que sofre do mal de Alzheimer. Vive sozinho numa casa que não sabe o que é uma faxina há muito tempo, e seu único contato com o mundo exterior é o sobrinho-neto, que aparece de vez em quando. Totalmente vulnerável e sem noção da realidade, ele talvez não sobreviva muito tempo se sair sozinho à rua.

Quem seria o ator ideal para encarnar alguém tão frágil? Muitos nomes podem vir à cabeça, mas entre eles, provavelmente, não estará o de Samuel L. Jackson. Sua persona cinematográfica habitual é diametralmente oposta à de um velho indefeso. Ao longo de mais de 150 filmes, Jackson se notabilizou por papéis em que esbanja força, autoconfiança e uma boa dose de humor.

No entanto, coube a ele ser o protagonista da minissérie "Os Últimos Dias de Ptolemy Grey", que estreia agora no Apple TV+. Só que o personagem não caiu do céu. Na verdade, foi o ator quem procurou os produtores, quando soube que o livro de Walter Mosley, um de seus favoritos, ganharia versão filmada.

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Samuel L. Jackson e Damon Gupton em cena da série do Apple TV+ 'Os Últimos Dias de Ptolemy Grey' - Divulgação

Numa conversa com jornalistas com participação deste repórter, Jackson contou que o papel, tão distinto do resto de sua filmografia, fala de perto à sua experiência pessoal. "Minha mãe, meu avô, meus tios, todos eles sofreram de algum tipo de demência senil. Eu sei bem o que é ter na frente uma pessoa a quem você ama, e ela não estar exatamente lá. Ou melhor, ela está. Isso é o que dói mais".

"Eu não costumo estudar muito os meus personagens. Faço filmes-pipoca, do tipo que eu ia ver quando criança. Mas também acho que há lugar para histórias como 'Os Últimos Dias de Ptolemy Grey', que precisam ser contadas. Só que eu não costumo ser chamado para elas."

Pelo menos, não no cinema. Mas, muito antes de se tornar o astro com a maior bilheteria acumulada de todos os tempos, nada menos do que US$ 27 bilhões de dólares, cerca de R$ 135 bilhões, Jackson já tinha uma carreira consolidada no teatro, em que encarava qualquer tipo de personagem.

"Já fiz coisas no palco parecidas com 'Ptolemy Grey'", acrescenta o ator. "Portanto, não é que eu seja incapaz de viver esse tipo de papel. Mas, para a minha carreira no cinema, eu escolhi um outro caminho".

De fato, quem já o viu exalando ferocidade em títulos como "Django Livre", de Quentin Tarantino, ou "Febre da Selva", de Spike Lee —dois dos diretores com quem ele mais trabalha— vai se surpreender com a mansidão de Ptolemy Grey, pelo menos no primeiro episódio da minissérie.

Nos seguintes, Jackson volta um pouco a seu registro habitual. O personagem aceita tomar uma droga experimental que restitui a memória, ainda que por pouco tempo, que ele usa para resolver um enigma de seu próprio passado.

Nascido em 21 de dezembro de 1948 em Washington, Samuel L. Jackson foi criado só pela mãe no estado do Tennessee. Seu pai, que era alcoólatra, abandonou a família quando ele ainda era pequeno, e o ator só o reencontrou um par de vezes ao longo de sua vida.

Mesmo crescendo na América segregada das décadas de 1950 e 1960, Jackson teve uma educação esmerada, aprendendo na escola a tocar vários instrumentos musicais. Também desenvolveu cedo uma consciência política. Aos 19 anos, em 1968, estava em Atlanta, trabalhando como voluntário no funeral de Martin Luther King.

Estudou biologia marinha e arquitetura antes de decidir que queria ser ator. Nos primeiros anos de profissão, se concentrou nos palcos, fazendo de vez em quando pequenas participações em filmes para a TV. Sua carreira só começou a decolar a partir de 1976, quando se mudou para Nova York e passou a aparecer em espetáculos da Broadway.

Mas um novo obstáculo não tardou a surgir —as drogas. Depois de sobreviver a algumas overdoses de heroína, Jackson passou a consumir quantidades industriais de cocaína e precisou ser internado algumas vezes. Quando finalmente se livrou do vício, já estava chamando a atenção por pequenos papéis em filmes como "Um Príncipe na América", ao lado de Eddie Murphy, ou "Os Bons Companheiros", de Martin Scorsese.

Foi só na década de 1990, quando já contava com mais de 40 anos de idade, que Samuel L. Jackson se tornou conhecido no mundo inteiro. Uma série de longas bem-sucedidos culminou em "Pulp Fiction – Tempo de Violência". Quentin Tarantino escreveu pensando nele o papel de Jules Winnfield, o violento parceiro de John Travolta. Por essa performance, Jackson recebeu sua única indicação ao Oscar até hoje, na categoria de ator coadjuvante. Perdeu para Martin Landau, que concorria por "Ed Wood".

Essa injustiça histórica está, de certa forma, prestes a ser reparada. Na noite de 25 de março, dois dias antes da cerimônia de entrega do prêmio da Academia de Hollywood, Samuel L. Jackson receberá um Oscar honorário pelo conjunto da obra, assim como as atrizes Elaine May e Liv Ullmann.

Não que isso o comova muito. "Um Oscar não muda a vírgula de lugar nos seus cheques", já disse ele, reiterando que prefere ganhar dinheiro no cinema do que receber honrarias.

A franqueza, aliás, é um de seus traços mais marcantes. Só nos primeiros meses deste ano, Jackson já criticou a Academia —"um ator negro só ganha um Oscar quando faz coisas desprezíveis na tela"—, defendeu Tarantino por usar em seus roteiros a palavra "nigger", uma ofensa racista nos Estados Unidos —"tudo depende do contexto histórico"—, e também os filmes da Marvel, alvo frequente da crítica especializada —Jackson é o intérprete de Nick Fury, que aparece na franquia "Vingadores".

Até no trato pessoal ele lembra seus personagens mais famosos. Não hesita em tirar sarro de algum jornalista que tenha feito uma pergunta de que não gostou. "Samuel L. Jackson é uma bola de energia", confirma a atriz Dominique Fishback, que contracena com ele em "Ptolemy Grey".

Mas também é capaz de profundidades e sutilezas que o cinema raramente consegue captar. Em sua primeira minissérie de TV, Samuel L. Jackson comprova que é muito mais do que um astro de renome mundial. É um ator do primeiríssimo time.

Os Últimos Dias de Ptolemy Grey

  • Quando Estreia nesta sexta (11)
  • Onde Disponível no Apple TV+
  • Classificação 17 anos
  • Elenco Samuel L. Jackson, Walton Goggins, Dominique Fishback
  • Produção EUA, 2022
  • Roteiro Walter Mosley
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