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Cinema

'A Mesma Parte de um Homem' é desafio e surpresa do início ao fim

Filme nacional de Ana Johann que estreia nesta semana destaca elenco talentoso com Irandhir Santos e trama fragmentada

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São Paulo

A Mesma Parte de um Homem

  • Quando Brasil, 2022
  • Onde Nos cinemas
  • Classificação 16 anos
  • Elenco Irandhir Santos, Clarissa Kiste, Otávio Linhares
  • Direção Ana Johann

Ninguém estranhe se não entender, por vezes, quem é quem ou mesmo o que está acontecendo em "A Mesma Parte de um Homem". Esta é a estratégia de Ana Johann, diretora e roteirista, ao lado de, Alana Rodrigues, do filme e mais uma cineasta que se afirma neste momento em que o Brasil tem uma geração privilegiada —pela inteligência, pelo talento, pela vocação— e ao mesmo tempo enfrenta o completo abandono a que a condenou o governo.

Pois então que se faça assim: filmes de orçamento modesto, poucos personagens, poucas locações, mas talentosos. E estranhos, como este: pois estamos numa zona rural, numa fazendola, no meio do nada, mas onde, de início, uma atmosfera de medo se instaura. Logo de cara, um homem de maus bofes vem narrando um crime horrível. Logo em seguida o vemos fazendo sexo com a mulher, Renata, e notamos que ele não é tão melhor assim do que os assassinos de que falou.

Clarissa Kiste, Irandhir Santos e Laís Cristina em cena do filme 'A Mesma Parte de um Homem', dirigido por Ana Johann
Clarissa Kiste, Irandhir Santos e Laís Cristina em cena do filme 'A Mesma Parte de um Homem', dirigido por Ana Johann - Divulgação

Pouco depois, o marido desaparece. O que houve com ele? Nada é explicitado. Não já. Tudo isso fica no ar. Mesmo um vizinho que oferece ajuda no trabalho de colheita, substituindo o marido desaparecido, não ajuda muito a entender o que se passa.

Mas a virtude do filme não é nos fazer entender, e sim manter a curiosidade do espectador, o que Ana Johann consegue com hábeis elipses, entre outras. Mais essencial do que elas é a capacidade de preservar o mistério das personagens. O que se acentua com o aparecimento de outro personagem, Luis, que do nada surge estirado em frente à casa de Renata.

Luis é tão estranho quanto os outros. Na verdade, um pouco mais. Esse homem que chega lá sem saber como só tem memória remota. Não pertence, de origem, à mesma classe social de Renata e Luana (que, por sinal, têm nomes urbanos, não os que se espera de camponesas). Viajou para o exterior na adolescência, fez vestibular. É tudo de que se lembra.

Luis vai virar uma mistura da vida de que se recorda (meio vagamente) com a que constrói, a que valerá para ele daqui em diante. O que supõe tomar Renata por mulher (é importante: ela é que o toma por homem, de início) e Luana por filha.

E todos os registros familiares ficam um tanto confusos. A ponto de, quando Luis pretende estabelecer a data do seu aniversário, a jovem logo crava a data de 1º de dezembro. Para desassossego da mãe: essa é a data da morte de seu marido (só então ficaremos sabendo que ele de fato morreu; até então só nos interessava o seu sumiço).

A imprecisão determina uma série de situações como essa, que desafiam o espectador continuamente e mantêm o interesse pelo filme, apesar de uns tempos mortos incômodos.

Surpreendente do início ao final, o filme se vale de um bom conjunto de atores, onde nem é preciso mencionar Irandhir Santos como Luis (exceto por um corte de cabelos e ausência de barba que o diferenciam de quase todos os seus papéis anteriores). Mas vale mencionar, sim, Clarissa Kate, tanto pelo que demonstra de forte na expressão, como por certos excessos no início do filme, logo controlados. Por fim, a obra traz a jovem Laís Cristina, ótima como Luana, a adolescente selvagem do filme.

No conjunto, Ana Johann transpõe para a tela com força um roteiro complexo, uma corda-bama de onde era muito fácil cair.

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