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Cinema

Louis Garrel critica queimadas no Brasil em filme no Festival Varilux

'Um Pequeno Grande Plano' mostra cinismo dos adultos frente a questões ecológicas, abraçadas com energia pelos mais novos

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Um Pequeno Grande Plano

  • Quando Sessões de 25/6 até 7/7 durante o Festival Varilux de Cinema Francês 2022
  • Elenco Laetitia Casta, Joseph Engel e Louis Garrel
  • Produção França, 2021
  • Direção Louis Garrel
  • Programação completa https://variluxcinefrances.com/2022/

Lá se vão quase 20 anos desde que "Os Sonhadores", de Bernardo Bertolucci, apresentou ao grande público a marcante figura de Louis Garrel. Bonito, aprumado, com um ar blasé sessentista, o jovem ator se cristalizaria no imaginário cinéfilo como uma espécie de personagem que entrecruza a nouvelle vague e o Maio de 68 —só que solto no mundo moderno.

Com os anos, o rapaz conseguiu mostrar que seus recursos iam muito além do charme de seu proeminente nariz gaulês. Tem se provado um ator cada vez melhor, às vezes brilhante, e também um diretor de talento.

Detalhe de cartaz do filme 'Um Pequeno Grande Plano', dirigido por Louis Garrel
Detalhe de cartaz do filme 'Um Pequeno Grande Plano', dirigido por Louis Garrel - Divulgação

E, passadas duas décadas, ao menos ele próprio já não se percebe mais como parte de uma juventude sonhadora, mas sim de uma geração acomodada, lamentavelmente esvaziada de ideais. Este, aliás, é um dos temas de "Um Pequeno Grande Plano", em cartaz no Festival Varilux e terceiro longa dirigido por Garrel.

O filme dura uma hora, então, a rigor, é mais propriamente um média-metragem —termo meio escanteado no cinema, já que os próprios cineastas costumam pensar em seus projetos enquanto curtas ou longas.

Mas a nova empreitada de Garrel se fixa em um meio termo entre ambos os formatos, não só em minutagem, mas igualmente em suas pretensões. Não procura a completude dos filmes de mais fôlego, embora também não busque a capacidade de síntese dos de menor duração.

É uma comédia fantasiosa e saborosamente delirante, sobre crianças que escondem dos adultos um plano para salvar o mundo de uma tragédia ambiental, a partir de um projeto de inundar o Saara com água do mar.

A premissa é uma grande maluquice, como se nota, e por isso mesmo adensar personagens ou detalhar em excesso minúcias ecológicas talvez tornassem o filme por demais presunçoso, impossível de dominar —além de demasiadamente complicado. Sabiamente, Garrel consegue abarcar o mais importante de seu tema em um filme simples, pequeno, mas com vigor criativo.

A trama começa num lar pequeno-burguês parisiense, onde um casal descobre que o filho pré-adolescente vendeu sua patinete para juntar dinheiro para uma "viagem" com outros jovens.

Depois de certo espanto, os pais começam a fazer perguntas ao menino para entender que viagem é essa e vão ficando verdadeiramente assustados com cada nova resposta —chegam às raias do desespero ao saber que o garoto vendeu muitos outros objetos valiosos da casa. Quando o pai descobre que ele vendeu sua coleção de relógios caríssimos, o menino retruca —"mas deixei um para você; ademais, todos marcavam o mesmo horário".

Como se percebe, há sarcasmo no roteiro, e esse início de filme alterna essa camada cômica com suspense, em cenas muito bem conduzidas, que destacam as performances do pequeno Joseph Engel, de Laetitia Casta e do próprio diretor —trio que também esteve na obra anterior do francês, "Um Homem Fiel", de 2018.

Além de Garrel, assina o roteiro o grande Jean-Claude Carrière, morto no ano passado, meses antes de o filme estrear na França. É, no fundo, uma observação sobre o quanto os adultos são desleixados quando o assunto é ecologia, mesmo diante de sinais de que a Terra pode estar com dias contados.

Quando o tema surge numa conversa do casal com dois amigos, ouvimos frases do tipo "é exagero da mídia para ter audiência" ou "é estratégia do liberalismo para vender novos produtos" et cetera. Sim, há lá certa verdade nessas colocações, mas fica patente que se trata sobretudo de uma forma algo mesquinha de mascarar a própria indolência diante das questões ecológicas e o medo de sacrificar seu conforto material (e suas propensões consumistas) em nome dela. Os adultos de hoje, o filme nos diz, são todos uns cínicos.

Segundo Garrel, as novas gerações são mais mobilizadas, pragmáticas, menos hipócritas. Já que não asseguramos um mundo para elas no futuro, elas próprias se dispuseram a isso. Mas o filme também não as idealiza por completo —em sua praticidade, por vezes se saem com ideias estarrecedoras para resolver problemas, vide a solução que encontram para reduzir a população da Terra. Apesar da boa vontade, falta a essa garotada certa maturidade humanística.

O trecho final não é lá dos mais entusiasmantes, mas, no todo, é um filme bastante simpático. Há uma cena, porém, que há de causar especial mal-estar ao espectador do Brasil –uma das crianças diz que o projeto de salvar o mundo consiste em "fazer exatamente o contrário dos brasileiros" em relação às florestas. Nossa reputação no exterior, como se vê, se deteriora a passos tão largos como a destruição de nossas matas.

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