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Cinema festival de berlim

'Má Sorte no Sexo' vira piada sem graça com exercício de cinismo

Filme do romeno Radu Jude é problemático por causa de sua estrutura, mas bom de se ver pelo risco a que se abre

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Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental

  • Onde Em cartaz nos cinemas
  • Classificação 18 anos
  • Elenco Katia Pascariu, Claudia Ieremia e Olimpia Mala
  • Produção Romênia/Croácia/República Tcheca/Luxemburgo, 2021
  • Direção Radu Jude

Após a queda do regime comunista e de Nicolae Ceausesco, em 1989, e a aparição de alguns filmes dos anos 1990 que passavam a limpo o período anterior do país, observamos finalmente o renascimento do cinema romeno nos anos 2000.

Cineastas como Cristi Puiu, Cristian Mungiu e Corneliu Porumboiu passaram a chamar a atenção em festivais internacionais, colecionando prêmios com uma estética calcada na sátira política e em imagens de algum impacto.

Radu Jude surge nesse contexto, o da chamada "nova onda romena", pegando carona no sucesso de seus compatriotas mais experientes e celebrados. Seu primeiro longa, "The Happiest Girl in the World", de 2009, já conseguiu alguns prêmios, embora secundários, em festivais como o de Berlim, Indie Lisboa e Sundance.

cena de filme
Cena do filme 'Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental' (2021), dirigido por Radu Jude - Divulgação

Daí em diante, Jude tem sido também celebrado por filmes como "Everybody in Our Family", de 2012, "Aferim!", de 2015, "Corações Cicatrizados", de 2016, e "Eu Não me Importo se Entrarmos para a História como Bárbaros", de 2018. Este último parece aprimorar o modelo para "Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental", de 2021, especialmente na metalinguagem e na mistura de registros.

Na trama deste seu mais recente longa, a professora Emi, vivida por Katia Pascariu, tem sua carreira ameaçada quando uma fita de sexo entre ela e seu marido vaza na internet. Um problema que normalmente atinge adolescentes desta vez provoca o inferno em uma adulta, graças a uma sociedade doente que o diretor procura retratar com alguma dose de humor.

Acompanhamos, na primeira parte, as perambulações da protagonista por Bucareste em tempos de pandemia, as pessoas com máscara e o controle de entrada em estabelecimentos comerciais. Em pouco mais de meia hora, o filme muda, tornando-se temporariamente muito solto. Colagem de motivos, piadas, provocações.

No terceiro movimento, o mais "cinema romeno do século 21", no melhor e no pior, temos uma discussão entre os professores, diretores e pais de alunos de uma escola sobre o que fazer com a professora que se tornou atriz de sexo explícito contra a vontade —as imagens que vemos no prólogo voltam parcialmente durante esse debate. O filme se encerra com um truque tolo: três finais possíveis.

Essa estrutura em três partes distintas provoca um efeito de negação curioso. O primeiro e o terceiro movimento se completam pelo registro do cotidiano, embora o primeiro seja quase documental, e o segundo, crítico e cínico. No meio está a tentativa de encaixar poeticamente uma espécie de inventário de ideias.

"Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental" talvez seja o mais problemático dos longas de Radu Jude justamente por ser o mais arriscado. No exercício de alternância entre a contenção e a expansão, o diretor parece encontrar dificuldade na transição, explicitada na problemática segunda parte. O filme se torna irregular, alternando bons e maus momentos, por vezes numa mesma sequência.

Se o longa conta a história da Romênia de 1989 até hoje, da queda de Ceausescu à pandemia, por meio de uma alegoria sexual, a coisa desandou. Se é só uma piada, como o próprio filme parece sugerir em alguns momentos, é uma piada quase sempre sem graça.

O que ele pretendia ou não, importa pouco. A questão é que o filme parece girar em falso. Os trechos de sexo explícito, que num filme de Julio Bressane, por exemplo, funcionam muito bem, aqui parecem apenas elementos para chocar ou pregar artificialmente uma certa libertinagem contra a hipocrisia da sociedade conservadora.

Há, contudo, qualquer coisa de belo nesse tiroteio de humores e ideias. Este é o tipo de filme cujo maior interesse reside nos estranhos motivos para seu fracasso. Ou seja, é problemático por causa de sua estrutura, mas bom de se ver pelo risco a que se abre.

Soa injusto valorizá-lo pelo que ele tem de provocativo, especialmente porque é na negação de suas próprias características que ele progride. Um exercício em cinismo.

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