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Big techs de Zuckerberg e Musk são totalitárias, diz autor de 'Estado Elétrico'

Em livro ilustrado que vai virar filme da Netflix, Simon Stalenhag imagina EUA em apocalipse na era do metaverso

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São Paulo

Coisa de ficção científica, loucura de desenho animado, filmes datados ou de videogames fracassados —esses são alguns dos adjetivos que já saíram de moda ao se falar em realidade virtual.

E, ainda que a molecada tenha de ir para a casa de um amigo rico para poder experimentar os óculos tecnológicos que dão acesso a esse mundo paralelo, quando uma das maiores empresas de tecnologia do planeta, o Facebook de Mark Zuckerberg, decide mudar o nome para Meta —em referência ao metaverso—, não dá mais para dizer que o assunto é brincadeira de criança.

Ilustração de 'Estado Elétrico', álbum ilustrado pelo artista sueco Simon Stalenhag
Ilustração de 'Estado Elétrico', álbum ilustrado pelo artista sueco Simon Stalenhag - Divulgação

"Nem consigo chamar [o império das big techs] de capitalismo, é mais um totalitarismo corporativo, em que poucas empresas controlam a vida das pessoas", diz o artista Simon Stalenhag, que acaba de ter seu álbum "Estado Elétrico" publicado aqui pela Quadrinhos na Cia.

A obra, que fica entre um livro ilustrado e uma HQ —em que grandes painéis acompanham textos nem sempre elucidativos—, narra a jornada de uma adolescente e seu robozinho rumo ao oeste americano.

Muitas da referências vieram de uma viagem de carro que o sueco de 38 anos fez com sua família pelos Estados Unidos em 2013, quando tirou fotografias que serviram de referência para o livro finalizado três anos depois.

Mas, em vez de nos depararmos com a natureza grandiosa de John Ford ou com o mundo em frangalhos de "Death Stranding" —game em que o jogador deve cruzar uma América pós-apocalíptica—, o país retratado por Stalenhag é tecnocrático, mas sem perder o bucolismo, e montanhas compõem a paisagem junto com naves alienígenas e robôs disformes que parecem saídos de uma Disneylândia macabra.

A obra será adaptada para um filme da Netflix com Millie Bobby Brown, de "Stranger Things", e Michelle Yeoh. Esta será a segunda adaptação de Stalenhag para o streaming —"Tales from the Loop", ainda não publicado no Brasil, inspirou a série de mesmo nome da Amazon em 2020. Ele ainda faz trabalhos para games e teve seus projetos transformados em jogos de tabuleiro.

Apesar do título sugestivo, esse "Estado Elétrico" que o sueco desenha com um realismo assombroso não segue o padrão de clássicos como "1984" ou "Fahrenheit 451", em que a opressão é comandada por um governo. Aqui, os arreios são impostos pelo próprio povo, que acredita estar só jogando um videogame quando usa capacetes enormes que dão acesso a uma realidade virtual sui generis.

Já avisava Fausto Fawcett que mesmo "o mais vagabundo ferro de passar tem a ver com uma pesquisa militar". Descobrimos, então, que os neurônios da humanidade estão alimentando uma inteligência artificial da qual, por uma incompatibilidade biológica, a protagonista não pode participar.

Em conversa por videoconferência, o artista se diz ainda ligado à visão libertária da internet de 30 anos atrás e se surpreende com como a sua história, produzida em 2016, ganha novos contornos no mundo de Elon Musk, Jeff Bezos e Bill Gates —"nós o víamos como um diabo [nos anos 1990]", diz Stalenhag sobre esse último. "Nossa cultura era punk, era sobre compartilhar as coisas de graça." De alguma forma, ele resgata essa jovialidade ao situar a história no ano de 1997 desses Estados Unidos alternativos.

"'Estado Elétrico' era, a princípio, sobre ser adolescente e ter o sentimento de que há algo de errado no mundo", afirma o ilustrador sobre a concepção da história. "Pensei que seria engraçado fazer esses zumbis com visores de realidade virtual vagando pelas ruas. Não esperava ver fotos reais com situações similares pouco tempo depois."

Stalenhag teme esse cenário, cujos riscos, para ele, são tão alarmantes quanto o das questões ambientais. "Podemos achar que a tecnologia só simplifica nossa vida, mas ela já é usada de maneiras mortíferas."

Arte conceitual de Syd Mead, da série 'US Steel'
Arte conceitual de Syd Mead, da série 'US Steel' - Syd Mead/Divulgação

Mas, se hoje damos tudo que as big techs nos pedem, Stalenhag prefere não entregar sua história de bandeja para o leitor, traçando conexões sutis entre uma narração não cronológica e suas pinturas atmosféricas, que se inspiram na natureza dos suecos Gunnar Brusewitz e Lars Jonsson, mas também no futurismo de Chris Foss e Syd Mead, de "Blade Runner".

"O texto reflete como eu encaro as memórias e recordações da vida, que são fragmentadas. Nos livros quero criar a experiência de ser plugado no sonho de uma outra pessoa", afirma.

Cheias de detalhes, as artes também tentam conduzir a narrativa de uma perspectiva diferente. "Eu não gosto de retratos, eles são superficiais. Close-up é uma coisa para filmes, com atores de verdade. Se você vê o desenho de um rosto, você não presta mais atenção em nada", acredita o ilustrador, que detesta gastar horas desenhando expressões faciais e prefere se esforçar para conceber mundos inusitados.

Mas, mesmo com desenhos em que as personagens pareçam pequenas, é difícil dizer que "Estado Elétrico" fique distante delas.

Se não faltam situações bizarras e desconfortáveis, como cenas de uma suruba tecnológica ou robôs monstruosos que remetem ao horror de H.P. Lovecraft, a jornada prefere destacar o amor incondicional entre irmãos e a rebeldia de uma juventude que só quer ter um futuro melhor —de preferência, longe do metaverso.

Estado Elétrico

  • Preço R$ 129,90 (144 págs.)
  • Autoria Simon Stalenhag
  • Editora Quadrinhos na Cia
  • Tradução Daniel Galera
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