Djavan, com novo álbum, diz que o tempo curou críticas à sua estranheza

Cantor, que surge esperançoso no disco 'D', se vê mais compreendido, anuncia voto em Lula e diz não ter Parkinson

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Djavan em imagem de divulgação de seu 25º álbum, 'D'

Djavan em imagem de divulgação de seu 25º álbum, 'D' Gabriela Schmidt/Divulgação

Rio de Janeiro

"Que a gente volte a rir de tudo, que a vida seja longa e tudo", canta Djavan em "Num Mundo de Paz", single de "D", seu novo álbum. A música, espécie de R&B com levada sincopada e vocalizes típicos da estética do cantor, anuncia o fim de uma era de sofrimento, um retrato da esperança que exala do artista —uma entidade da MPB com uma obra tão vasta quanto peculiar, tão popular quanto particular.

"A minha grande questão com esse disco é que ele tinha de ser o oposto do que estávamos vivendo —e ele é isso", diz o cantor, no estúdio em sua casa, no Rio de Janeiro. "A intenção foi trazer uma aura de paz, dizer ‘espere aí, o futuro está aí, a gente precisa construí-lo, desejá-lo’, entender que a vida não é isso. Ela é melhor que isso, e vai melhorar."

De certa forma, "D" traz uma luz que estava ausente em "Vesúvio", seu álbum anterior, de 2018. "Que o ‘Vesúvio’ é mais, digamos, escuro, que esse novo, isso é real", ele diz. "Mas isso é mais fácil de ser observado depois de todo o obscurantismo que a gente viveu —com pandemia, a situação do Brasil e do mundo, com guerras, uma coisa pesada. Na época, ninguém observava o ‘Vesúvio’ dessa maneira."

Pré-pandemia e pré-Bolsonaro, o último disco de Djavan, de certa forma, acabou captando um sentimento que só se tornou evidente nos anos posteriores. "A intuição é uma coisa que você não domina. Parece que ele prenunciava uma coisa pesada", diz o cantor.

De "Vesúvio" para cá, ele diz, "os relacionamentos —de amor, familiares, políticos, sociais— adquiriram uma aura de peso, de desentendimento". "O mundo mergulhou num processo de deterioração de valores que você quase não acredita que possa ser revertido. Voltar a se valorizar a gentileza, a elegância, a honestidade, parar de tanta mentira. As redes sociais são coisas preocupantes porque, até para emitir uma opinião, você tem que ter muito cuidado. Tudo tem um volume de negatividade, de perseguição. Isso é onde o mundo mergulhou. E é óbvio que eu não posso apostar nisso —quero é o contrário."

Esse contrário é sonhado por Djavan nas 12 faixas de "D", que chega às plataformas de streaming nesta quinta (11), como um desdobramento de seu estilo peculiar de fazer letras e melodias, juntando do samba ao jazz, do soul à música latina, com um acento pop que lhe é característico. "Cabeça Vazia" e "Nada Mais Sou" são músicas que retratam relacionamentos que parecem só brotar do violão de Djavan, enquanto "Ridículo" e "Quase Fantasia" falam de amores lúdicos. "Você Pode Ser Atriz" evoca uma certa resiliência e o samba "Êh, Êh" ratifica o otimismo que é próprio de Djavan e de seu parceiro de composição na faixa, Zeca Pagodinho.

Mais do que buscar inspiração em novas estéticas, "D" vem da necessidade constante e insaciável do compositor de exercitar sua criatividade. "Sem isso não sou nada. Tenho que compor, tenho que dizer as coisas periodicamente para me sentir vivo, para me sentir. Acho que vou compor sempre."

Isso não é novidade para o alagoano –na verdade, ele mantém a mesma toada desde que deixou Maceió no começo dos anos 1970 para tentar a vida no Rio de Janeiro. Em quase 50 anos de carreira, Djavan chega ao 25° álbum, isto é, com uma média de um a cada dois anos, produtividade que ele mantém mesmo com um cancioneiro tão consolidado.

É como se, durante todos esses anos, Djavan estivesse aperfeiçoando seu estilo único, resultado de uma certa estranheza que o acompanha desde que trocou o passe refinado no meio de campo das categorias de base do CSA, seu time de futebol do coração —junto ao Flamengo—, pelo violão. No fim dos anos 1960, quando os Beatles abriram sua cabeça para os acordes perfeitos —em oposição à dissonância da bossa nova—, ele passou a integrar a banda LSD (Luz, Som e Dimensão), que fez fama em Maceió e rodou Alagoas.

"Já sentia um desconforto enorme de ter que conviver com aquela musicalidade, que eu já julgava aquém do que eu pensava. Eu pensava diferente da maioria e o que me restou foi realmente vir pra cá", ele diz.

Já no Rio, mostrou as músicas em que estava trabalhando quando saiu do LSD. "Fui ao [radialista] Adelzon Alves, que falou ‘sua música é estranha, não é a música que eu trabalho’", diz. "O [produtor da Som Livre] João Mello me ouviu, achou estranho. Outro produtor me ouviu, achou estranho também, mas disse que isso era meu trunfo. Até que chegou ao João Araújo, que era o presidente [da gravadora]. Ele disse que meu som não estava pronto, mas ia ficar me usando como cantor."

Foi com "Fato Consumado", composta para o festival Abertura, promovido pela Globo em 1975, que ele deu início à trajetória solo —sem nunca ficar "normal". "A estranheza da minha música foi decantada em boa parte da minha vida", diz. "Depois, com o tempo, as pessoas foram entendendo do que se tratava. Se eu tocava diferente, cantava diferente, harmonizava diferente. Não poderia escrever igual a ninguém. E isso resultou em críticas homéricas, de que eu era nonsense. Tive paciência de esperar que o tempo curasse essas distorções."

Djavan virou alvo de críticas, por músicas como "Açaí" e "Obi", pela poesia que busca sentido aglomerando palavras e expressões pouco comuns, e nem sempre conectadas da maneira mais imediatamente compreensível. Para o artista, independente da interpretação mais instantânea de suas letras, há um forte componente estético na sua maneira de escrever, em como as palavras soam juntas.

"É o desafio de você mexer no formato, entende? Não basta fazer uma letra, você quer jogar com novas palavras, dar sentido ao que aparentemente não tem. É uma maneira de você se desafiar", diz. "Essa música, ‘Obi’, também foi muito criticada na época, mas tive um prazer imenso de reunir essas palavras e dar um sentido que era simplesmente a beleza. Não queria outra coisa —só que fosse belo, bonito."

Djavan acabou se tornando um dos autores mais populares da música brasileira, mesmo trilhando um caminho bastante único —ele estava nas trilhas de novela, mas não fazia parte de nenhum movimento; era grande vendedor de discos, mas não estava escalado no Rock in Rio, não teve um "Acústico MTV". Nessa onda, ele também teve poucos e raros parceiros —Chico Buarque, Caetano Veloso, Stevie Wonder e Aldir Blanc são alguns—, mas em "D" abriu exceção a um nome especial para ele.

"Minha grande influência era o Milton Nascimento. A primeira coisa que ouvi foi ‘Travessia’", diz Djavan, que gravou no novo álbum a música "Beleza Destruída" com Bituca, um alerta carregado de urgência sobre a destruição humana do meio ambiente —tema caro ao compositor. "Achava inusitado tudo que ele fazia. Sua ideia musical, de harmonia, achava aquilo muito, muito diferente."

Eles se conheceram nos anos 1970, mas nunca tinham chegado a colaborar musicalmente. "Minhas parcerias em geral só aconteceram quando fui buscado por outras pessoas, porque sempre tive a timidez de me aproximar e pedir alguma coisa, o medo de ser rejeitado", diz. "Milton também é muito tímido. Tem até uma foto que de vez em quando aparece na internet, em que ele está sentado no sofá olhando para mim. Nem sei onde é aquela foto, de que época é, mas a gente não teve tanta aproximação durante esse tempo."

Com essa trajetória um tanto isolada, Djavan acabou também alimentando alguns mitos, e sendo alvo de mentiras. Uma delas é de que "Flor de Lis", hit de Djavan, teria sido composta para uma esposa e filha que morreram. Outra é que ele teria apoiado Jair Bolsonaro, do Partido Liberal, na eleição passada, por ter dito que estava esperançoso com o futuro do país na época da eleição do presidente —na verdade, ele diz, sua esperança era no povo brasileiro.

"Sempre votei no Lula e vou votar nele de novo. Tive uma relação muito próxima com o Lula tempos atrás e, enfim, vou continuar votando nele. É no que a gente espera que as coisas possam caminhar bem", diz o cantor, que não vai fazer campanha para o petista, como fez na eleição de 1989. "Quero dar minha contribuição de onde eu estou."

Que Djavan tenha doença de Parkinson também é uma mentira. "O que tive foi uma coisa chamada tremor essencial, que é decorrente da escassez de sono. Houve uma época que eu estava dormindo pouco, e muita gente achou que eu estava com Parkinson", diz. "O neurologista passou um remédio e uma semana depois eu já estava completamente sem o problema."

Sem problemas com a saúde, Djavan hoje se sente mais compreendido e vê na internet um reconhecimento maior de sua obra pelas novas gerações, uma resposta instantânea a tudo que produz. Vai se apresentar pela primeira vez no Rock in Rio e está aceitando participar de mais festivais do que está acostumado. E também segue um apaixonado inveterado —ainda que uma porcentagem bem ínfima de suas experiências amorosas, ao contrário do que muitos acreditam, virem música.

"O compositor é um inventor, um criador. Não preciso estar apaixonado para falar de amor. Aliás, falo muito pouco de mim nas canções. As que falo, não deixo dúvida —nêgo percebe na hora que estou falando de mim, da minha mãe, do meu passado, do amor", ele diz. "O que move tudo é o amor, e ele é vivido, sentido e praticado por todos. Por isso, é cercado de preconceitos, de ser uma coisa comum, vulgar. Não —é o contrário, é essencial."

Para Djavan, um dos românticos mais famosos de nossa música, o amor é "um poço sem fundo". "Você é capaz de fazer dez músicas de amor trazendo questões completamente distintas na vida de uma pessoa. O amor é tudo na vida de um ser humano. E é um tremendo desafio falar de amor, de relacionamento. Olha tudo que envolve um amor não correspondido, é como se fosse a última instância, a última chance de dizer alguma coisa. Tem uma música [‘Bailarina’] em que chamo a canção de ‘crepuscular estação do amor não correspondido’, é o que eu sinto."

O jornalista foi ao Rio de Janeiro a convite da Sony

D

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  • Autor Djavan
  • Gravadora Luanda Records

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