Autor explica como série e livros de 'Game of Thrones' terão finais diferentes

George Martin também está à frente do spin-off 'A Casa do Dragão', sobre a família Targaryen, que estreou no HBO Max

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John Koblin
Nova York | The New York Times

Nos cinco anos que os executivos de programação da HBO passaram analisando cuidadosamente uma série que pudesse ser sucessora digna de "Game of Thrones", havia uma ideia que George R.R. Martin aventava constantemente: sua história da ascensão e queda da família Targaryen, ambientada quase 200 anos antes dos acontecimentos relatados em "GoT".

O escritor George R. R. Martin - Angela Weiss / AFP

Houve alguma relutância na HBO em criar uma série que, como a original, tratasse da luta pelo Trono de Ferro. Dois roteiristas chamados para trabalhar com a proposta da atração sobre os Targaryen vieram e se foram, mas Martin não desistiu da ideia.

E então, depois de a HBO ter filmado —e cancelado— um piloto de um "prequel" diferente de "Game of Thrones", a persistência do autor acabou prevalecendo. No final de 2019, "A Casa do Dragão" foi encomendada direto como série, sem passar por um piloto. Martin é o criador da produção, ao lado de Ryan Condal.

"A Casa do Dragão", o primeiro spin-off de "Game of Thrones", estreou no domingo, e o que está em jogo para a HBO é importante. Se a série for um sucesso, pode comprovar a viabilidade de um tal "Universo Cinematográfico dos Tronos". Um resultado apenas mediano (ou nem isso) levará a questionamentos maiores sobre se milhões de espectadores de fato anseiam por mais séries derivadas de "Thrones".

Numa conversa no final do mês passado, George R.R. Martin, o homem que construiu o universo "Thrones" em seus vários livros ao longo das últimas três décadas, discutiu por que essa ideia é tão importante para ele, falou de suas ambições para spin-offs futuras e revelou como seus livros ainda em processo de serem escritos vão divergir do final controverso de "Game of Thrones", a série de TV. Abaixo, trechos editados de nossa conversa.

Dois roteiristas trabalharam no desenvolvimento de sua história sobre os Targaryen, mas o trabalho não deu em nada. O que o levou a continuar insistindo? Eu não queria abrir mão do projeto. Já havia muito material escrito sobre o tema; já havia tudo o que eu achei que precisaríamos para uma série sucessora que fosse bem recebida. Havia toda a intriga em torno do Trono de Ferro. Havia a disputa entre as grandes casas. Havia dragões, muitos, batalhas e traições.

"A Casa do Dragão" tem alguns temas comuns aos de "GoT" —rivalidades familiares, a batalha pelo trono. Como ela difere de "Game of Thrones"? "Game of Thrones" e minha versão dela em livro, "As Crônicas de Gelo e Fogo", estão sob alguns aspectos de obras de alta fantasia à moda de Tolkien e dos muitos escritores que o seguiram. É verdade que em certo sentido eu desconstruo esses temas recorrentes, esses mitos, os elementos que eram característicos dessas obras. Mas também os sigo, até certo ponto. "A Casa do Dragão" é mais parecido com ficção histórica acrescida de alguns dragões. É como uma tragédia shakespeariana.

Faz pouco mais de três anos desde que "Game of Thrones" terminou com um final que decepcionou muitos fãs. O que você achou desse final? Nas últimas temporadas da série, uma pergunta que todos faziam era "quantas temporadas serão?". E durante anos [os criadores de "Game of Thrones," David Benioff e Dan Weiss] disseram que queriam encerrar a série em sete temporadas. Bem, as sete viraram oito, porque a oitava série é na realidade nada mais que a segunda metade da sétima temporada –é como uma temporada só muito longa.

Mas eu nunca achei que sete ou oito temporadas seriam o bastante. Fiz campanha por dez temporadas, e poderíamos ter prolongado para 12. Há material suficiente para 12 temporadas –e com certeza haverá material suficiente quando eu concluir estes dois últimos livros. Mas perdi aquela batalha, e ficamos com oito.

Acho que uma das grandes queixas sobre aquelas últimas temporadas não são apenas sobre o que aconteceu –ainda que existam queixas em relação a isso–, mas também porque aconteceu repentinamente demais. Não foi preparado previamente. Se tivéssemos tido dez temporadas ou 12, acho que teria funcionado melhor.

Considerando as reações negativas, até que ponto você está preocupado, em relação à nova série, com a possibilidade de as pessoas ou estarem fartas demais para voltarem ao universo "Thrones" ou de já chegarem dispostas a criticar, seja como for a série? Vejo comentários online, e às vezes as pessoas mandam emails diretamente para mim. Também estou preocupado com algo semelhante com meu novo livro. Como você sabe, "The Winds of Winter" está superatrasado –o último livro saiu 11 anos atrás, e as pessoas estão furiosas com isso. Mas quantas pessoas? "A Casa do Dragão" e quaisquer outros spin-offs que estejam pela frente, e "The Winds of Winter", quando sair, vão enfrentar algumas reações negativas imediatas e alguma resistência de pessoas que não vão querer nem sequer dar uma chance a eles.

Digamos que "A Casa do Dragão" seja um sucesso. Qual seria sua ambição ideal aqui? Uma frota inteira de séries de TV "Thrones"? Bem, estamos desenvolvendo uma série de outros spin-offs. Há a série da sequência sobre Jon Snow, e as outras são todas "prequels". Há "Ten Thousand Ships", sobre Nymeria –isso se passa mil anos antes e trata de como os Rhoynard vieram para Dorne. Há um épico que lembra a "Odisseia". Há as nove viagens de Corlys Velarion, a Serpente do Mar. Isso nos levaria a lugares do mundo que nunca vimos antes.

Temos alguns programas de animação sendo propostos, um deles ambientado em Yi Ti, que é basicamente a versão de fantasia da China imperial ou do extremo Oriente. Conseguimos um roteiro fantástico. Obviamente nem todos esses programas que estamos desenvolvendo vão chegar a ir ao ar, mas espero que vários deles sim.

Existe um modelo que você admira? Alguma coisa como a Marvel? Gosto do que a Marvel está fazendo porque gosto da diversidade de séries. Outro modelo que achei interessante foi o velho "Mary Tyler Moore Show". Essa série gerou vários spin-offs. Houve "Rhoda", sobre a amiga dela. Phyllis ganhou sua própria série. E a série que realmente achei instigante foi "Lou Grant". Pegaram esse personagem de uma sitcom e o converteram no herói de um seriado sobre jornalismo. É bem especial pegar um personagem que é um coadjuvante cômico e o converter no protagonista de um seriado sério. Eu gostaria de ver uma diversidade ampla em nossas séries.

Antes de "A Casa do Dragão" receber sinal verde, a HBO rodou o piloto inteiro de uma série que acontece há mil anos dos acontecimentos de "Game of Thrones". Ela acabou sendo cancelada. O que deu errado? Não vi o piloto. Por alguma razão, não sei qual, não querem me mostrar, por isso não sei. Foi mais difícil, sob alguns aspectos, porque nesse programa eles realmente foram muito para trás no tempo.

A Noite Longa é mencionada em meus livros aqui e ali, mas é um acontecimento antigo sobre o qual as pessoas contam histórias –é como o Jardim do Éden ou o dilúvio bíblico. Recordo que, quando começamos a desenvolvê-lo, falei "vocês estão indo para tanto tempo atrás –se decidissem fazer uma "prequel" de "Sopranos’, estariam falando dos etruscos, os ancestrais de Tony Soprano". "Poderia até acabar falando dos homens das cavernas."

Fale de seu nível de envolvimento com "A Casa do Dragão" versus seu nível de envolvimento com "Game of Thrones", a série original. Estou bem mais envolvido com "A Casa do Dragão" do que com as temporadas posteriores de "Game of Thrones". Mas estive muito envolvido com os primeiros anos de "GoT". Da primeira à quarta temporada, não apenas escrevi um roteiro, mas também, especialmente nas duas primeiras, eu dei a palavra final sobre todos os atores escolhidos. Eu lia os roteiros. Conversava com Dan e David. Visitava o set. Mas com o passar do tempo esse envolvimento foi diminuindo.

Seus próximos livros vão divergir de "Game of Thrones", a série? Boa parte da história surge na minha cabeça à medida que a vou escrevendo. Eu sempre soube que a partir do momento que a série fosse além dos meus livros –algo que, francamente, eu não previ que fosse acontecer– ela começaria a seguir direções que os livros não vão.

Agora, enquanto escrevo as obras e estou fazendo mais e mais progresso, e a história está ficando mais e mais longa, as ideias estão vindo à minha cabeça e os personagens estão me levando para direções ainda mais diferentes daquelas que a série seguiu.

Então acho que o que vocês verão é que, quando for lançado "Winds of Winter" e de pois, espero, "Dream of Spring", meu final será muito diferente. Haverá algumas semelhanças, alguns grandes momentos que contei a David e Dan muitos anos atrás, quando eles me visitaram em Santa Fé [nos Estados Unidos]. Mas só tivemos dois ou três dias lá, de modo que não contei tudo a eles. E mesmo algumas das coisas que contei estão mudando à medida que vou escrevendo. Portanto, será diferente. Caberá aos leitores e aos espectadores decidir qual versão preferem.

Quando os livros vão ficar prontos? Nada a declarar. Nada a declarar. Nada a declarar. Toda vez que falo alguma coisa, me meto em apuros. Afinal, uns dez anos atrás eu disse "acho que termino no ano que vem". Mas então não ficou pronto no ano seguinte. Então disseram "George mentiu para nós". Não sei prever essas coisas. Depende em parte de quantas outras interrupções houver e tudo mais. Estou num bom momento agora, então estou otimista. Mas não vou fazer previsões.

Tradução de Clara Allain

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