Gerald Thomas encarna a ideia clássica de encenador. Seus espetáculos são marcados pela composição de visualidades que se desenvolvem no espaço e no tempo e se materializam como quadros em movimento. O palco é o anteparo sobre o qual ele cria, se valendo da série de recursos que o teatro oferece –a iluminação, o maquinismo, as palavras, o som e também suas atrizes e atores.
Não estranha, portanto, que ele junte ao seu estudo livre da peça de Nelson Rodrigues, "Doroteia", referências a obras visuais do vanguardista Marcel Duchamp e do pintor Iberê Camargo.
A figura do encenador moderno também se tornou, ao longo do século 20, uma espécie de eixo centralizador do espetáculo, o astro em torno do qual tudo deveria girar. Gerald Thomas sempre ocupou com entusiasmo essa posição.
Em "F.E.T.O. - Estudos de Doroteia Nua Descendo a Escada)", como em tantos outros de seus trabalhos, ele faz questão de sublinhar que é ele quem está por trás daquela profusão de imagens vivas, que é o cérebro e a alma da cena. Sua voz percorre todo o espetáculo; atores falam sobre ele; e, de repente, ele aparece no palco, conduzindo o andamento de uma cena com a atriz Fabiana Gugli.
Gerald Thomas está sempre lá, envolvido de corpo e alma, a conduzir aquele conjunto espantoso de elementos simbólicos e enigmáticos que parecem ter muito a dizer sobre a catástrofe atual, sobre o moralismo, sobre o teatro de Nelson Rodrigues, sobre a insuficiência da arte. Mas será que têm mesmo?
Seus espetáculos são máquinas formidáveis de produzir imagens caleidoscópicas que parecem querer elaborar a desordem da vida atual. E este não é diferente. Com décadas no ofício, Gerald Thomas maneja muito bem os elementos da cena e deixa transparecer a intensidade borbulhante, fragmentada e contraditória de como ele mesmo vê o mundo.
Por outro lado, na longa carreira de Gerald Thomas, a sensação de déjà-vu é cada vez mais presente. Talvez seja um tipo de insistência obsessiva de um artista atormentado com o caos da vida, talvez seja apenas repetição de velhas fórmulas e velhos efeitos espetaculares que funcionam e que encantam.
Por um lado, "F.E.T.O." se apresenta como um sofisticado labirinto a ser decifrado. Por outro, fica a sensação de que tudo aquilo é somente uma disposição aleatória de imagens fortes, referências desconexas e veleidades de seu criador envolvidas no papel brilhante de um espetáculo cheio de recursos para fascinar. Provavelmente é um pouco de cada coisa.
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