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Poesia da russa Marina Tsvetáieva sobrevive a guerras e cancelamentos

Escritora que teve vida conturbada é destaque em novas edições no Brasil com textos que impõem a resistência da arte

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Raquel Toledo

Professora, pesquisadora e mestre em literatura e cultura russa pela Universidade de São Paulo

Num de seus primeiros poemas, Marina Tsvetáieva declara "aos meus versos escritos tão cedo... chegará a sua hora". O tom premonitório parece se cumprir —os primeiros meses deste ano trouxeram os versos de Tsvetáieva de volta ao mercado editorial brasileiro em novas e muito bem cuidadas edições. O olhar a ela, porém, está longe de ser inédito.

A começar por Mário de Andrade que em seu livro "A Escrava que Não É Isaura" exalta "Marina Tsvetoiewa", cuja poesia é um "belíssimo e doloroso grito". As primeiras traduções, porém, só chegaram em 1968, por meio de "Poesia Russa Moderna", com traduções de Boris Schnaiderman e dos irmãos Campos.

retrato em sépia de mulher branca
A poeta russa Marina Tsvetáieva - Wikimedia Commons

Essa coletânea inspirou Aurora Fornoni Bernardini a iniciar seus estudos sobre Tsvetáieva, que culminaram na primeira coletânea dedicada exclusivamente à poeta –"Indícios Flutuantes", de 2006. A partir desses estudos, muito se tem pesquisado e traduzido na academia e esses esforços agora chegam ao grande público, revelando outras faces de Tsvetáieva.

De família de intelectuais, Marina Tsvetáieva, já poeta, fica em Moscou após a revolução até a morte por fome de sua filha caçula —e, em 1922, emigra com sua mais velha para encontrar o marido, Serguei Efron, e se estabelecer em Paris.

A vida na imigração não traz alegria, mas dificuldades. A saudade da Rússia é tema de prosas memorialísticas como "O Diabo", da editora Kalinka, com tradução de Bernardini, na qual narra seus primeiros contatos, ainda menina com um demo muito particular, numa alegoria entre infância e poesia.

Tsvetáieva só voltará à Rússia em 1939, atrás de notícias de seu marido e de sua filha, que foram antes. Logo Moscou é evacuada e ela deslocada para Elabuga com seu filho caçula para fugir da guerra. Sem meios de produzir, nem notícias dos seus, e vivendo em grande privação, Marina Tsvetáieva se suicida em 1941.

Hoje, quando as palavras "Rússia" e "guerra" estão de novo no contexto sociopolítico, é fundamental olhar para o entusiasmo dos leitores brasileiros pela obra de uma poeta que teve a vida marcada por conflitos e cuja produção resistiu ao apagamento das individualidades que os períodos bélicos impõem. Uma poesia de resistência dos afetos, da subjetividade e, acima de tudo, da resistência da arte.

"Elos Líricos: Poemas e Prosa a Grandes Poetas", com tradução e organização de Paula Vaz de Almeida, da editora Bazar do Tempo, e "Aos Meus Versos, Escritos Tão Cedo..., Chegará a Sua Hora", com tradução e organização de Verônica Filíppovna, pela Ponto Edita, são marcos desse entusiasmo.

"Elos Líricos" traz um recorte interessante –a tradutora, doutora em literatura russa pela Universidade de São Paulo, traz uma seleção de poemas que contempla um procedimento artístico típico de Tsvetáieva —a composição de ciclos de poemas temáticos.

Para o volume, Almeida selecionou os ciclos de poesia e prosa em homenagem a diversos poetas russos e a um alemão, Rainer Maria Rilke. Para cada sessão do livro, a edição traz um texto introdutório jogando luz à relevância cultural da personalidade em questão. A cada ciclo há a preocupação de recriar o diálogo que Tsvetáieva produzia de forma explícita com estilo do homenageado.

A tradutora buscou em traduções consagradas algumas expressões que Tsvetáieva usou em seus poemas para que os ecos líricos fossem percebidos também em português. Nessa seleção, notamos Tsvetáieva como uma poeta que pulsava o seu tempo e conhecia a fundo seus contemporâneos.

Já "Aos Meus Versos" é uma seleção cronológica de poemas de diferentes fases de Tsvetáieva em versão bilíngue. A responsável pela seleção do material e por traduzir a obra é Verônica Filíppovna, que, assim como Almeida, também estuda a obra de Tsvetáieva há anos e é doutora em teoria literária pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. O projeto gráfico é uma experiência –enquanto se passa as páginas, vemos manuscritos, cartões postais e demais "presentes" que transformam o livro em uma espécie de caixa de surpresas.

As edições têm estilos diferentes também na tradução. Filíppovna parece priorizar a clareza, todavia escorrega em algumas escolhas –o verbo "deitar", em russo, vira "mentir", sem nada no poema que explique essa troca. Além disso a transliteração do russo segue o modelo americano em vez daquele desenvolvido no Brasil para nosso idioma, já bem utilizado no mercado editorial.

Já Almeida procura recriar sentido aliada à busca pela sonoridade, nunca desprezada por Tsvetáieva. Vale lembrar –no Brasil há três coletâneas dedicadas à poeta feitas por mulheres especialistas em poesia russa.

Se Tsvetáieva não resistiu aos sofrimentos de seu século, hoje não há guerra que cancele sua obra entre os leitores que, cada vez mais, buscamos conhecer a autora como marco de resistência e de amor à arte.

Elos Líricos: Poemas e Prosa a Grandes Poetas

  • Preço R$ 49 (208 págs.; ebook)
  • Autoria Marina Tsvetáieva
  • Editora Bazar do Tempo
  • Tradução e organização Paula Vaz de Almeida

Aos Meus Versos, Escritos Tão Cedo..., Chegará a Sua Hora

  • Preço Esgotado
  • Autoria Marina Tsvetáeva
  • Editora Ponto Edita
  • Tradução e organização Verônica Filíppovna
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