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Alzira E ainda espanta em documentário com uma linguagem estranha

Documentário de Marina Thomé investiga a vida da cantora, tentando se afastar de formatos tradicionais

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Maria Caú

Aquilo que Eu Nunca Perdi Com Alzira E

  • Quando 8/9 até 14/9
  • Onde Petra Belas Artes
  • Preço R$ 33,60
  • Classificação Não informado
  • Produção Estúdio Crua
  • Direção Marina Thomé

"Eu não gosto de sonhar. Para mim, todo sonho é pesadelo." Essas são as palavras que apresentam Alzira E aos espectadores e já afirmam inequivocamente que estamos diante de uma mulher nada usual.

O tema do sonho vai se repetir algumas vezes ao longo da narrativa, que revela uma mulher que repensa a trajetória incomum de sua carreira sem um pingo de nostalgia e parece viver na maturidade uma explosão de liberdade que o passado foi repetidamente incapaz de conceder a ela.

O refúgio de Alzira é um presente pulsante no qual ela precisa estar radicalmente acordada. O documentário evidencia a concretude dos sonhos, que empurraram Alzira ao longo de uma trajetória musical atípica.

Cena do documentário 'Aquilo que Eu Nunca Perdi', sobre a cantora Alzira E - Marina Thome

Nascida no Mato Grosso do Sul dos anos 1950, na famosa família de músicos Espíndola, irmã mais nova de Tetê, Alzira deixou Campo Grande para viver de música em São Paulo levando quatro dos cinco filhos que teria.

Em "Aquilo que Eu Nunca Perdi", a documentarista Marina Thomé investiga alguns dos principais passos dessa carreira, seguindo a artista em seu cotidiano e costurando a narrativa com imagens de arquivo que propositadamente contrastam com a imagem atual de Alzira, um dínamo de espírito irrequieto, e trazem à tona uma mulher aparentemente mais pacata e doce em suas apresentações em família (no grupo Tetê e o Lírio Selvagem) ou com parceiros notórios, como Itamar Assumpção e Almir Sater.

O espectador não familiarizado com a carreira da musicista tem dificuldade de conciliar essas duas personas em tela, e é justamente esse espanto uma das maiores forças do documentário, que também tem o mérito de tematizar de forma orgânica o machismo e o apagamento das mulheres na música, em especial instrumentistas ou compositoras.

Nesse contexto, um dos momentos que soam mais autênticos é uma conversa franca entre Alzira e a poeta Alice Ruiz, sua parceira recorrente, sobre o contrassenso que é a fusão entre tesão e juventude imposta pelo imaginário social.

Ainda nesse caminho, outro ponto positivo do filme é ressaltar as afinidades artísticas e parcerias criativas entre mulheres, especialmente entre mulheres maduras, em cenas que chamam atenção por serem pouquíssimo frequentes em documentários musicais. É emblemático também que o filme estreie no dia exato em que Alzira faz 65 anos.

Uma boa escolha é fazer com que os depoimentos, que contemplam nomes famosos, como Ney Matogrosso e Arrigo Barnabé, não surjam no formato mais tradicional de cabeças falantes, mas escapem aqui e ali durante um ensaio ou num momento de caseira intimidade, quando, por exemplo, a personagem mostra seus muitos cadernos de composição musical.

Ainda assim, a sensação é de que a diretora tentou afastar seu retrato de Alzira de um formato documental mais tradicional, ao qual ele certamente não se ajustaria bem, mas terminou por não conseguir propor uma estrutura narrativa que desse conta de fazer jus à força de sua personagem.

Por isso, a linguagem fílmica parece sempre aquém da camaleônica Alzira, em especial nos momentos um tanto engessados em que ela aparece em meio à natureza. Alzira transborda, e o filme é incapaz de seguir seus transbordamentos.

As transições muitas vezes buscam trazer imagens poéticas que parecem literais demais (travessias variadas, por exemplo, como imagens em movimento de uma estrada ou do curso de um rio) para ilustrar a verve poética da artista, de letras intensas e voz marcante, cuja ousada construção poética se afasta por completo dos traços de formalismo que o documentário não consegue de todo abandonar.

A sensação é de que o documentário fica na superfície desse rio caudaloso e imprevisível que é Alzira E, cuja estrondosa força de palco irrompe nas sequências dedicadas aos shows recentes. Esses momentos captam a energia da artista, prendendo a atenção do espectador e revelando toda uma potência dramática que a narrativa só consegue vislumbrar de relance, mas que ainda assim surpreende e fascina.

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