Bolsonaro usa música de Madonna em campanha e reacende briga com artistas

Advogados explicam que, em tese, políticos deveriam ter autorização do detentor dos direitos autorais, mas há exceções

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Brasília

O presidente Jair Bolsonaro postou nas redes sociais um vídeo de sua conta no TikTok em que comemorava a construção da ponte da Integração, que liga o Brasil e o Paraguai. A trilha sonora escolhida para as imagens da obra é "Hung Up", hit de 2005 de Madonna com o sample de "Gimme! Gimme! Gimme! (A Man After Midnight)", do Abba.

A cantora Madonna (esq.), em foto de 2020, e o presidente Jair Bolsonaro (dir.)
A cantora Madonna, à esquerda, em foto de 2020, e o presidente Jair Bolsonaro - Instagram/@madonna e Evaristo Sa/ AFP

A equipe de Bolsonaro escolheu uma canção da mesma cantora que o chamou de "Borsalino", apoiou a campanha EleNão e pediu para que ele mudasse suas políticas de preservação de meio ambiente para proteger a Amazônia.

O candidato ao Planalto poderia usar uma música durante a campanha para defender um feito de sua gestão, ainda mais de uma artista que se posiciona contra ele? A resposta simples é não. Mas há muitos senões que podem fazer com que candidatos usem músicas sem a autorização de quem detém os direitos autorais da obra.

Primeiro, é preciso avaliar em quais dos dois cenários possíveis os casos se encaixam —ou o candidato faz um uso literal da música, ou cria uma paródia com base numa canção.

No caso do uso literal, afirma Luiz Guilherme Valente, advogado e coordenador da área de mídia, entretenimento e publicidade da B/luz advogados, se a obra não está em domínio público seria necessário que o compositor, a gravadora, ou qualquer outro que tenha o controle da música autorize o uso. Foi a utilização literal da obra que Jair Bolsonaro fez.

Sem a autorização, os candidatos podem enfrentar dois problemas. O primeiro é do ponto de vista financeiro. O uso da música é uma fonte comum de arrecadamento para o setor e isso pode ser reivindicado pelo detentor dos direitos autorais.

Mas há ainda uma segunda questão, de ordem moral. "Os direitos autorais vão defender a integridade da obra e do autor. Nesse caso, e isso é muito importante no uso político, talvez o artista não tenha as mesmas convicções políticas que o candidato", afirma Valente. "Eu, como artista, posso querer não ter ideias associadas a uma agenda ou uma plataforma que não são as mesmas que as minhas."

Os candidatos que criam paródias entram num outro campo. Uma decisão da Justiça nas eleições municipais de 2020 fez com que políticos fossem liberados para criar essas peças de humor com qualquer canção —mesmo sem autorização dos autores.

Como era esperado, a decisão foi criticada por artistas. "Ninguém quer ter sua música alterada para enaltecer alguém que você não admira", tuitou a cantora Zélia Duncan na época.

Mas voltando para o caso do uso literal, em tese, a inclusão da música num vídeo dependeria de autorizações dos titulares dos direitos de autor em cima da obra. Mesmo aqui, há algumas exceções.

Uma delas é o uso de pequenos trechos para criar uma obra nova, previsto na lei de direitos autorais. "O problema é que a lei não estabelece o que significa pequeno trecho, ou seja, quantos segundos podem ser usados de uma música, por exemplo", afirma Marcelo Frullani, especializado em direito e tecnologia da informação pela Universidade de São Paulo e advogado do Frullani Lopes Advogados.

O vídeo de Bolsonaro também foi publicado originalmente no TikTok. Essas plataformas fornecem espécie de bibliotecas de músicas, a partir de acordo de licenciamento das obras, que podem ser incluídas em produções dentro dos aplicativos. O licenciamento pode se limitar ao TikTok especificamente e, neste caso, diz Frullani, o vídeo não poderia ser republicado em outros aplicativos, como o Instagram, por exemplo.

Madonna, por ora, não reclamou da utilização da canção. Mas queixas desse tipo acontecem em toda campanha eleitoral. Em 2018, por exemplo, o cantor Leoni, ex-parceiro de Paula Toller no Kid Abelha, fez uma versão da música "Pintura Íntima", de autoria dos dois, em campanha para Fernando Haddad, do PT. Por uso indevido, Toller moveu e ganhou uma ação contra o candidato, o partido e o ex-namorado.

Reações de descontentamento parecidas também foram comuns nos Estados Unidos. Desde 2016, ano da eleição de Donald Trump, dezenas de músicos acusaram o presidente americano de usar indevidamente suas canções em eventos ou peças de campanha —não como paródias, mas como reprodução das obras originais. Entre eles estão Rihanna, Elton John, Rolling Stones, Adele, Guns N’ Roses e Queen.

O cenário não mudou em 2022. Zezé Di Camargo, da dupla com Luciano, já criticou o Movimento Brasil Livre, o MBL, e o ex-deputado Arthur do Val neste ano pelo uso a música "No Dia em que Eu Saí de Casa" como jingle na campanha de Renato Battista, lançado pelo União Brasil.

Na versão dos políticos, a canção fala sobre a cassação de mandato de Arthur do Val, que ficou inelegível depois da divulgação de mensagens de cunho sexista sobre mulheres ucranianas.

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