Descrição de chapéu Rock in Rio

O que os artistas podem ou não fazer no Rock in Rio para apoiar Lula ou Jair Bolsonaro

Legislação autoriza manifestações de músicos no palco, mas proíbe fazer propaganda de candidatos, dizem especialistas

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Rio de Janeiro

Pela primeira vez em seus 37 anos de história, o Rock in Rio vai acontecer em período eleitoral. O festival, que ocupa o Parque Olímpico, no Rio Janeiro, a partir desta sexta-feira, começa um mês antes das eleições.

A exemplo do que aconteceu no Lollapalooza, realizado em São Paulo, em março, é possível que esta edição do Rock in Rio seja palco de manifestações de cunho político —seja do público ou dos artistas. Para acirrar ainda mais os ânimos, o presidente e candidato Jair Bolsonaro, do Partido Liberal, estará na cidade entre os dois finais de semana do festival para as celebrações do Sete de Setembro.

Pabllo Vittar durante show no Lollapalooza, em março
Pabllo Vittar durante show no Lollapalooza, em março - Rubens Cavallari/Folhapress

Durante a semana que antecede o evento, a organização do Rock in Rio divulgou um comunicado afirmando que o momento conta com "leis específicas vigentes nesse período". "Em função disso, a organização decidiu que não será autorizada a presença de nenhum candidato a estas eleições em seus palcos", diz o texto, que também recomenda que "todas as empresas, instituições e artistas envolvidos com o evento tenham conhecimento da lei eleitoral".

A reportagem ouviu três especialistas para esclarecer o que os artistas podem ou não fazer em relação às manifestações de cunho político durante os sete dias de shows.

O que cantores podem fazer no Rock in Rio segundo a lei eleitoral?

Legislação autoriza manifestações no palco, mas proíbe propaganda de candidatos

  1. Um artista pode apoiar um canidato ou partido?

  2. O que caracteriza propaganda eleitoral?

  3. Um artista pode pedir voto no palco?

  4. O que faria do Rock in Rio um showmício?

Um artista pode apoiar um candidato ou partido?

Sim. A legislação não impede que um artista ou o público manifeste o que pensa —seja apoio ou repúdio— em relação a um determinado candidato ou partido durante um festival de música. O que não é permitido é fazer propaganda eleitoral em ambientes de acesso do público, mesmo que sejam espaços privados.

"É o que se chama de bem de uso comum do povo, como teatros, cinemas, shoppings, lojas, feiras, enfim. Nesses locais não se faz campanha", afirma Hélio Silveira, ex-presidente da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados de São Paulo. "Evidentemente, o artista ou qualquer pessoa têm liberdade de expressar a sua opinião."

Pedro Barbosa, ex-procurador regional eleitoral em São Paulo, lembra uma decisão do Supremo Tribunal Federal, o STF, que permite a manifestação política. "Na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5970, de 2021, o STF deixou muito claro que a liberdade de manifestação num ambiente de evento artístico é absolutamente ampla. O cantor pode falar a favor do Lula, contra o Lula, a favor do Bolsonaro, contra o Bolsonaro, de forma totalmente livre", ele diz.

O que caracteriza propaganda eleitoral?

Os especialistas se dividem quanto ao que caracteriza fazer propaganda eleitoral. Segundo Anna Paula Mendes, que é professora de direito eleitoral da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a Uerj, para um artista fazer propaganda eleitoral, ele teria de "atuar como se fosse um cabo eleitoral".

Segundo ela, manifestações como a de Pabllo Vittar, que no Lollapalooza segurou uma toalha com o rosto do ex-presidente Lula, do Partido dos Trabalhadores, e fez um sinal de "L" com as mãos, não seriam enquadradas como propaganda eleitoral. "Se o artista quiser fazer os tradicionais 'fora, fulano', pegar uma bandeira, fazer sinal com a mão, isso é liberdade de expressão."

Ela só lembra que fazer alusões aos números dos candidatos pode levar o caso para uma zona cinzenta. "Acho um elemento muito sensível nesse momento, em que a campanha está oficializada e os candidatos são conhecidos apenas por dois números", diz.

Segundo Pedro Barbosa, a propaganda eleitoral se caracteriza por "estrutura, envolvendo dinheiro, sendo usada para fazer campanha de um determinado candidato". "Uma coisa é entrar num lugar de uso comum e ter ícones, totens ou outdoors. Isso é vedado. Dá multa e uma eventual responsabilização se tiver um partido ou candidato envolvido."

Ele exemplifica citando ações do Tribunal Superior Eleitoral, o TSE, nas chamadas motociatas de Bolsonaro. "O próprio TSE não sancionou o Bolsonaro nas motociatas que ele fez, inclusive num momento em que a propaganda eleitoral não tinha começado. O tribunal está andando muito no sentido de que a manifestação vale."

Um artista pode pedir voto no palco?

Os especialistas não chegam a um consenso em relação a recomendar votar em algum candidato. Para Hélio Silveira e Anna Paula Mendes, os artistas não devem fazer pedidos explícitos de voto.

"Nesses locais de acesso público não se pede voto. Qualquer pessoa tem liberdade de expressar sua opinião, mas [o artista] tem que tomar cuidado para não ser uma opinião abusiva, que possa influenciar as eleições", diz o advogado.

"Para mim, o que caracteriza a propaganda eleitoral é o pedido de voto. Dizer, expressamente, ‘vamos votar em tal’. Agora, manifestações de opinião política estão totalmente no campo da liberdade de expressão —e são permitidas", diz Mendes.

Já Pedro Barbosa não vê problemas nesse ato. "Pode pedir voto. Você não poderia pedir explicitamente naquele período que antecede a campanha eleitoral. Agora pode. A pessoa se manifesta da forma que quiser. Estamos em campanha eleitoral, não há vedação nenhuma. O que me parece razoável é evitar que um festival de música se torne um festival político."

O que faria do Rock in Rio um showmício?

Os showmícios são atualmente proibidos pela lei, e as apresentações do Rock in Rio podem ter problemas se forem enquadradas nessa categoria. Recentemente, o Partido Democrático Trabalhista, o PDT, entrou com uma representação no TSE contra a participação de Bolsonaro na Festa do Peão de Boiadeiro, que aconteceu em Barretos, no interior de São Paulo, acusando o presidente de fazer showmício.

Para os especialistas ouvidos pela reportagem, o que ocorreu com Bolsonaro em Barretos é um exemplo de "desvirtuamento" do evento. Na ocasião, o presidente esteve presente no rodeio, que conta com diversos shows de música sertaneja, acompanhado de uma comitiva que incluía o candidato ao governo paulista Tarcísio de Freitas, do Republicanos.

Houve a apresentação do jingle de campanha do atual presidente, xingamentos ao ex-presidente Lula e discurso no palco. Bolsonaro também foi apresentado pelo locutor Cuiabano Lima como um herói, e esteve ao lado de Jeronimo Luiz Muzetti, presidente de Os Independentes, associação que organiza a festa.

Para Anna Paula Mendes, um showmício é "uma reunião política animada por artista". "É a mesma coisa do comício, com a diferença de que o candidato usa um artista para atrair o público. O público não está ali porque quer ver o político, ele está ali porque quer ver o artista. O Rock in Rio teria problema se você tivesse um candidato subindo no palco, fizesse discurso político para o candidato, porque aí se configuraria uma reunião eleitoral animada pelo artista."

"O Rock in Rio não pode ser tornar um showmício como aconteceu em Barretos", diz Hélio Silveira. "Tocou o jingle, ele subiu ao palco, o locutor fez pedido de votos a ele. Isso é abusivo. E houve o apoio dos organizadores para determinada candidatura. Isso poderia ser grave, se a organização do Rock in Rio incentivasse esse tipo de coisa. Minha recomendação aos artistas que estiverem no palco do festival é que tenham cautela. Se algo acontecer, vamos ter que verificar a dimensão dessas manifestações."

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