Filme vai da ascensão à queda de Eike Batista, que já foi 7º mais rico do mundo

Nelson Freitas, ex-cunhado do empresário, protagoniza 'Eike - Tudo ou Nada' numa tentativa de se provar no drama

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São Paulo

Quando visitou o set de "Eike - Tudo ou Nada", filme baseado no seu livro homônimo sobre Eike Batista, a jornalista Malu Gaspar tomou um susto com a personificação que o biografado tomou na figura do ator Nelson Freitas.

Além de alguma semelhança física devidamente reforçada pela caracterização da maquiagem e da disposição de estudar sobre o personagem, o intérprete tinha como trunfo o fato de ter convivido com o verdadeiro Eike, de quem foi cunhado por cerca de um ano e meio.

Nelson Freitas em cena do filme 'Eike - Tudo ou Nada', que retrata a trajetória de Eike Batista - Divulgação

Pouca gente se lembra do romance do ator com Isis de Oliveira, irmã de Luma. Isso foi bem antes de Eike chegar aos bilhões de dólares que o levariam ao sétimo lugar do ranking das pessoas mais ricas do mundo pela revista Forbes. Foi num período anterior ao do recorte escolhido pelo produtor Tiago Rezende e pelos diretores e roteiristas Andradina Azevedo e Dida Andrade para apresentar a história do empresário nas telas.

Mas Freitas guardou do ex-cunhado a percepção de seu DNA mineiro, por parte de pai, que sobreviveu em meio à herança alemã da mãe e dos anos passados entre Suíça e Alemanha. Foi de Governador Valadares que ele absorveu os esses mal camuflados pelo sotaque carioca de tantos anos de Rio de Janeiro.

Freitas também trouxe para a atuação aquele sorriso de quem inclina levemente a cabeça e quase fecha os olhos quando escancara os dentes.

"Uma coisa é você ver a pessoa na televisão, dando entrevista, e ele foi notícia a vida toda. Mas as pessoas que conviveram com ele vão perceber. Eu tinha uma vontade de fazer isso sem querer promover uma imitação, sem ficar uma caricatura", diz o ator.

"Quando você faz uma personagem, tem a possibilidade de criar, de inventar o jeito de ela andar e falar. Mas essa personagem existe", continua. "E existe muito", reforça Malu Gaspar. "Ele está aqui, ele é contemporâneo, e esse talvez tenha sido o maior desafio."

O longa mostra a ascensão e queda de Eike, bem naquele momento de euforia econômica do Brasil em que ele resolveu que entraria na disputa pela busca do pré-sal. Há diálogos inteiros do livro transportados para a tela, mas há também uma família inteiramente fictícia, criada do zero, porém verossímil —é o núcleo que exemplifica o nível de confiança que Eike tentou imprimir ao seu negócio, levando até pequenos investidores a apostarem tudo o que tinham na sua OGX.

A história começa a ser contada em 2006 e segue até a prisão de Eike, há cinco anos, quando ele foi alvo da Operação Eficiência, um desmembramento da Operação Lava Jato, no Rio de Janeiro. O empresário foi acusado de fazer parte do esquema de corrupção movido pelo ex-governador Sérgio Cabral, preso desde 2016.

Na cena da prisão, expediente reservado ao último dia de filmagens, Nelson Freitas raspou a cabeça, deixando apenas alguns fiapos desordenados, e ostentou um aplique como o que Eike tinha ao ser preso. Os fios restantes foram liquidados diante das câmeras.

Vaidoso, embora nem tanto como Eike, Freitas conta que foi terapêutico raspar a cabeça pela primeira vez, mas embarcou para a Austrália logo em seguida. Foi visitar a filha e o neto, que moram lá, mas bem que a viagem viria a calhar para não se deixar ver careca. "As pessoas perguntavam ‘o que você foi fazer na Austrália?’. ‘Esperar meu cabelo crescer’, eu respondia."

Foi Ciça Castello, produtora de elenco do filme, quem sugeriu o nome dele para o papel. "Foi uma ideia improvável, o Nelson é conhecido por comédia, ia fazer um papel de drama? Mas eu, o Dida e o Andradina, quando a gente viu, ao mesmo tempo em que parecia uma loucura, parecia muito óbvio", diz o produtor Tiago Rezende.

Segundo Freitas, interessado em reposicionar a carreira para mostrar que não era apenas o "ator do kkkk", como ele diz, a proposta parecia sob medida para reforçar que ele podia ser mais que cara do "Zorra" e do "Zorra Total", humorísticos dos quais participou por longos anos na Globo. Até novela ele diz ter recusado ao topar ser Eike.

O ator não nega que fazer rir ainda é bem mais complexo do que fazer chorar, mas está empenhado em provar que pode trafegar nas duas linhas de emoção.

Ele conta ter se inspirado em Al Pacino socorrendo Sofia Coppola na escadaria do teatro em "O Poderoso Chefão 3", quando Michael Corleone silencia o esperado grito de desespero ao ver a filha morta, "porque não respira".

No caso de "Eike", a reação veio no momento em que o empresário se apoia em uma tela que aponta a queda desenfreada das ações da OGX. É desesperador até para o espectador que nada entende de mercado financeiro.

A três dias do fim das filmagens, o ator foi surpreendido por uma apendicite. Socorrido no set e levado à Clínica São Vicente, no Rio, tentou negociar com a médica alguma medicação para acabar o filme e retornar ao hospital dali a três dias, para finalmente operar. "O senhor não está entendendo, a sala de cirurgia já está sendo preparada", ela teria avisado.

A equipe tentou liquidar várias pendências sem a presença do protagonista, que só voltou a filmar duas semanas depois.

O elenco conta ainda com Thelmo Fernandes, Marcelo Valle, Bukassa Kabengele, Juliana Alves e Xando Graça, como funcionários da OGX, Jonas Bloch no papel de um banqueiro e André Mattos como governador do Rio de Janeiro, alusão a Sérgio Cabral. Todos ganham nomes fictícios.

É claro que não pode faltar Luma de Oliveira em um filme sobre Eike, nome estampado na famosa coleira-gargantilha usada pela atriz em uma de suas memoráveis performances como rainha de bateria da escola de samba Tradição. Mas é bom que ninguém vá ao cinema só pela expectativa de conferir a representação da atriz por Carol Castro.

Oliveira é apenas uma menção breve no longa-metragem. A personagem é vista em um momento de quase alucinação de Eike, sequência que os diretores chamam de felliniana, na qual ele revisita seu passado e a exuberância da mulher por meio de óculos de realidade virtual que um charlatão tenta vender a ele.

Mas, afinal, o que esperar dessa figura midiática que atraía tantos holofotes? Culpado? Inocente? "Quando eu lancei o livro, também havia esse questionamento: Eike é um bandido? Ele é um aproveitador ou é um inocente", provoca Malu Gaspar, que diz ter gostado do recorte escolhido pela equipe do filme e das soluções adotadas para contar essa história na tela.

"Eu sempre disse que ele é um personagem muito complexo, eu acho que ele não é um inocente. Eu já falei isso muitas vezes. Não é uma pessoa que não sabia o que estava fazendo, porém é uma pessoa num ambiente, num contexto determinado, e é difícil passar isso para a tela. Eu tinha quantas páginas eu quisesse, vocês tinham só uma hora e meia", disse a jornalista aos diretores e ao produtor do filme.

Rezende endossa, com ressalva. "Eu não acho que ele é o [Sérgio] Cabral, que está preso, eu acho que ele tem uma coisa de vaidade muito interessante, porque ele queria ser amado o tempo inteiro, ele queria estar sob os holofotes."

Filho da produtora Mariza Leão, o produtor trabalha com cinema há apenas seis anos, mas é formado em economia e frequenta o mercado financeiro, item que tem peso de personagem em "Eike".

A soma do conhecimento de Rezende e da falta de noção dos dois roteiristas e diretores sobre esse universo foi fundamental, contam os três, para alcançarem uma narrativa palatável, mas sem didatismo, capaz de atrair até os menos entendidos no cruel mundinho das ações.

"A gente achou que esse período retratando a vida dele reflete uma parte muito interessante da história do Brasil, com aquela euforia do pré-sal. Eu lembro que a gente falava ‘nossa, o Brasil agora vai ter muito dinheiro, vai vir Copa do Mundo, vai ter Olimpíada, a gente vai ganhar Oscar’. E o Eike é uma pessoa que materializava tudo isso", diz Andradina Azevedo.

Filmado durante a pandemia, o longa não acompanha as decisões mais recentes da Justiça sobre o personagem, que segue respondendo pela acusação de crimes contra o mercado de capitais, uso de informação privilegiada e manipulação de mercado.

"Eike - Tudo ou Nada" estreia nesta quinta-feira, a poucos dias do primeiro turno das eleições para presidente, governadores, senadores e deputados. E, se o filme pode colaborar para a reflexão do eleitor, isso ocorre por meio da percepção de que é preciso desconfiar de promessas milagrosas.

"Como imaginar que um sujeito ia tirar de debaixo da terra a mesma quantidade de petróleo que a Petrobras não havia tirado em 50 anos? E as pessoas queriam acreditar naquilo", lembra Malu Gaspar.

"O brasileiro tem essa mania que achar que vai descer alguém do céu e vai resolver os nossos problemas", diz. "O ‘Eike’ ensina que quando você acredita em soluções milagrosas, falaciosas, que mais parecem uma pirâmide, isso vai dar errado."

Eike - Tudo ou Nada

  • Quando Estreia nesta quinta (22) nos cinemas
  • Classificação 12 anos
  • Elenco Nelson Freitas, Carol Castro e Thelmo Fernandes
  • Produção Brasil, 2022
  • Direção Andradina Azevedo e Dida Andrade
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